Promovendo paralelos entre a arte poética e a matemática pura – da qual seriam exemplos uma tocata de Bach ou uma pincelada exata de Cézanne –, Junqueira desvenda conexões possíveis entre a literatura (melhor seria dizer “poemática”) e outras artes, como a música e a pintura. Afinal, o que seria o jogo de métrica, rima e ritmo da poesia, senão contar e contar sílabas, ora num continuum, ora em alternância?!
Os versos do poeta fluem ávidos de diálogo com formas geométricas – planas, superficiais e volumétricas –, evocando a ideia de que a poética se configura como ofício por meio do qual se obtêm efeitos decorativos, arquitetônicos ou pictóricos na prática de se erigir poemas mediante palavras, verdadeiras “catedrais” que demarcam a paisagem criada pelo espírito humano.
Não deixa de ser perceptível ao leitor que, em todas as associações levadas a efeito pelo poeta, subentende-se que esteja a falar de um modo produção artística segundo os cânones clássicos, bem mais que sob formas livres modernistas ou de vanguarda.
J.A.R. – H.C.
Ivan Junqueira
(1934-2014)
Poética
A arte é pura matemática
como de Bach uma tocata
ou de Cézanne a pincelada
exasperada, mas exata.
É mais do que isso: uma abstrata
cosmogonia de fantasmas
que de ti lentos se desgarram
em busca de uma forma clara,
da linha que lhes dê, no espaço,
a geometria das rosáceas,
a curva austera das arcadas
ou o rigor de uma pilastra;
enfim, nada que lembre as dádivas
da natureza, mas a pátina
em que, domada, a vida alastra
a luz e a cor da eternidade,
tal qual se vê nas cariátides
ou nas harpias de um bestiário,
onde a emoção sucumbe à adaga
do pensamento que a trespassa.
Despencam, secas, as grinaldas
que o tempo pendurou na escarpa.
Mas dura e esplende a catedral
que se ergue muito além das árvores.
Cariátide na fachada
do Louvre (Paris/FR)
Referência:
JUNQUEIRA, Ivan. Poética. In:
__________. Poemas reunidos. Rio de Janeiro, RJ: Record, 1999. p.
213-214.
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