Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

terça-feira, 1 de fevereiro de 2022

Jerry Pinto - Reparos em Casa

Uma parede em situação não estável, delimitando um banheiro numa presumível suíte ou o quer que fosse, consistia no plano de reforma levado a efeito pelo ente lírico em sua residência: contratou pedreiros para torná-la uma firme baliza entre os precitados recintos – ou melhor, pelo menos esse fora o objetivo imediato.

 

Mas as coisas não andaram conforme o esperado e a parede reergueu-se num pernoite, em meio ao qual os residentes, sonolentos, nela esbarraram e se aperceberam de que se tratava da mesma velha parede. E mais: deram com uma inesperada nota de “suicídio” em rabiscos na taipa, com o sangue ainda fresco. Resultado: dispensa, mediante paga, dos profissionais e um aprendizado para toda a vida sobre projetos de reforma.

 

Seria a casa “mal-assombrada”, digna dos melhores contos de terror e de imaginação saídos da pena de Allan Poe? Foram os fantasmas que reergueram a parede durante a noite? Ou teria sido a alma penada do suicida, ainda não desgarrada de suas experiências terrenas? Sabe-se lá: cenas para os próximos capítulos...

 

J.A.R. – H.C.

 

Jerry Pinto

(n. 1966)

 

House Repairs

 

All it took was the flick of a chisel

And the bathroom wall came sighing down.

It wasn’t quite what we had hoped for

But we took it for what it was:

One more act

In a prolonged dramaturgy

Of cement.

 

The new wall came up quickly.

Overnight, it was back in place.

It was all that a new wall should be

Or so we hoped.

 

Only, the next morning and the next

When, sleep-clogged, we lurched into it

We found it was our old wall.

With a suicide note still scrawled on it

The blood still fresh on it.

 

We paid the masons anyway

And learned something about renovation.

 

Kentucky rural

(Mark Downey: pintor norte-americano)

 

Reparos em Casa

 

Bastou um golpe de cinzel para que

A parede do banheiro viesse abaixo.

Não era exatamente o que esperávamos,

Mas tomamo-lo pelo que era:

Um ato a mais

Numa prolongada dramaturgia

De cimento.

 

Ergueu-se a nova parede com rapidez.

Da noite para o dia, estava de volta ao seu lugar.

Era tudo o que uma nova parede deveria ser

Ou o que fosse de nosso aguardo.

 

Somente na manhã seguinte e na próxima,

Quando, aturdidos pelo sono, cambaleamos contra ela,

Descobrimos que se tratava da nossa velha parede.

Até agora há uma nota de suicídio nela rabiscada

Com o sangue ainda fresco.

 

De todo modo, demos quitação aos pedreiros

E aprendemos algo sobre reformas.

 

Referência:

 

PINTO, Jerry. House repairs. In: THAYIL, Jeet (Ed.). 60 indian poets. New Delhi, IN: Penguin Books India, 2008. p. 322.

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