Neste poema, Gautier,
um arauto do amor à beleza e da perfeição das formas, pormenoriza aquilo que
veio a se chamar “arte pela arte”: para persistir no tempo, deve a criação do
artista ser o resultado de um labor meticuloso, rigoroso e paciente, o primado
da técnica sobre quaisquer artifícios meramente dependentes de um sopro
inspirador das musas.
Gautier anuncia, numa
elocução franca, as ideias nas quais se firmam, em literatura, a Escola Parnasiana,
que, entre nós, teve em Olavo Bilac (1865-1918) um de seus maiores cultores:
seria coincidência o poeta carioca empreender um paralelismo entre as artes
poética e escultórica, em “Profissão de Fé”, bem ao modo do que
se formula nestes versos do poeta francês?!
J.A.R. – H.C.
Théophile Gautier
(1811-1872)
L’Art
Oui, l’oeuvre sort
plus belle
D’une forme au
travail
Rebelle,
Vers, marbre, onyx,
émail.
Point de contraintes
fausses!
Mais que pour marcher
droit
Tu chausses,
Muse, un cothurne
étroit.
Fi du rhythme
commode,
Comme un soulier trop
grand,
Du mode
Que tout pied quitte
et prend!
Statuaire, repousse
L’argile que pétrit
Le pouce
Quand flotte ailleurs
l’esprit:
Lutte avec le
carrare,
Avec le paros dur
Et rare,
Gardiens du contour
pur;
Emprunte à Syracuse
Son bronze où fermement
S’accuse
Le trait fier et
charmant;
D’une main délicate
Poursuis dans un
filon
D’agate
Le profil d’Apollon.
Peintre, fuis l’aquarelle,
Et fixe la couleur
Trop frêle
Au four de l’émailleur.
Fais les sirènes
bleues,
Tordant de cent
façons
Leurs queues,
Les monstres des
blasons;
Dans son nimbe
trilobe
La Vierge et son
Jésus,
Le globe
Avec la croix dessus.
Tout passe. – L’art
robuste
Seul a l’éternité.
Le buste
Survit à la cité.
Et la médaille
austère
Que trouve un
laboureur
Sous terre
Révèle un empereur.
Les dieux eux-mêmes
meurent,
Mais les vers
souverains
Demeurent
Plus forts que les
airains.
Sculpte, lime,
cisèle;
Que ton rêve flottant
Se scelle
Dans le bloc
résistant!
A arte da pintura
(Johannes Vermeer:
pintor holandês)
A Arte
Sai mais perfeita e
trabalhada
E nobre e rara,
A obra, entre esforços,
acabada:
Esmalte, verso, ônix,
carrara...
Nada de adorno
contrafeito
E joia falsa,
E, para que marches
direito,
Musa, um coturno
estreito calça!
Despreza esse ritmo
vulgar,
Como um sapato largo,
a modo
Que o possa todo
Pé descalçar e recalcar.
O próprio barro que na
tua
Mão, escultor, vive –
se dele
Teu pensamento além flutua,
Forte, repele!
Luta e porfia contra
o paros
Duro e o carrara, a
jeito, apura,
Esses, os fiéis
guardas avaros
Da Forma pura.
Toma emprestado a
Siracusa
O bronze fino e
eterno, por
Onde se acusa
O traço firme e
encantador.
Tu, de mão leve,
cuidadosa,
Na ágata firme, de
buril
Talha em figura
esplendorosa
Fébeo perfil.
Pintor, despreza as
aquarelas,
E fixa a cor
Leve, das cousas mais
singelas
No forno de um
esmaltador.
E, das sereias
Azuis, voltando em
convulsões,
As caudas leves, de
algas cheias,
Faze as figuras dos
brasões.
Dentro em seu limbo
trilobado,
A Imaculada e o seu
Jesus
Coloca e o Globo,
este encimado
Da mesma cruz.
Tudo passa! Mas o
robusto
Traço do Artista à
eternidade
Resiste: o busto
Resta onde, outrora,
foi cidade.
E, na medalha
soterrada
Que acha, no campo, o
lavrador
Fina, gravada,
Fica a imagem do
imperador.
Os próprios deuses
morrem… Não
Morrem, no entanto,
os soberanos
Versos, que são
Bronzes eternos,
contra os anos.
Talha, cinzela, lima
e grava...
Teu sonho imenso,
atormentado,
Na Forma escrava
Fique num bloco
eternizado!
Referências:
Em Francês
GAUTIER, Théophile. L’art.
In: __________. Émaux et Camées. Œuvres de Théophile Gautier. Poésies, vol.
III. Paris, FR: Lemerre, 1890. p. 132-134.
Em Português
GAUTIER, Théophile. A
arte. Tradução de Carlindo Lellis. In: MAGALHÃES JÚNIOR, R. Antologia de
poetas franceses: do século XV ao século XX. Rio de Janeiro, RJ: Tupy,
1950. p. 138-139.
❁
Nenhum comentário:
Postar um comentário