Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quarta-feira, 17 de agosto de 2022

Théophile Gautier - A Arte

Neste poema, Gautier, um arauto do amor à beleza e da perfeição das formas, pormenoriza aquilo que veio a se chamar “arte pela arte”: para persistir no tempo, deve a criação do artista ser o resultado de um labor meticuloso, rigoroso e paciente, o primado da técnica sobre quaisquer artifícios meramente dependentes de um sopro inspirador das musas.

 

Gautier anuncia, numa elocução franca, as ideias nas quais se firmam, em literatura, a Escola Parnasiana, que, entre nós, teve em Olavo Bilac (1865-1918) um de seus maiores cultores: seria coincidência o poeta carioca empreender um paralelismo entre as artes poética e escultórica, em “Profissão de Fé”, bem ao modo do que se formula nestes versos do poeta francês?!

 

J.A.R. – H.C.

 

Théophile Gautier

(1811-1872)

 

L’Art

 

Oui, l’oeuvre sort plus belle

D’une forme au travail

Rebelle,

Vers, marbre, onyx, émail.

 

Point de contraintes fausses!

Mais que pour marcher droit

Tu chausses,

Muse, un cothurne étroit.

 

Fi du rhythme commode,

Comme un soulier trop grand,

Du mode

Que tout pied quitte et prend!

 

Statuaire, repousse

L’argile que pétrit

Le pouce

Quand flotte ailleurs l’esprit:

 

Lutte avec le carrare,

Avec le paros dur

Et rare,

Gardiens du contour pur;

 

Emprunte à Syracuse

Son bronze où fermement

S’accuse

Le trait fier et charmant;

 

D’une main délicate

Poursuis dans un filon

D’agate

Le profil d’Apollon.

 

Peintre, fuis l’aquarelle,

Et fixe la couleur

Trop frêle

Au four de l’émailleur.

 

Fais les sirènes bleues,

Tordant de cent façons

Leurs queues,

Les monstres des blasons;

 

Dans son nimbe trilobe

La Vierge et son Jésus,

Le globe

Avec la croix dessus.

 

Tout passe. – L’art robuste

Seul a l’éternité.

Le buste

Survit à la cité.

 

Et la médaille austère

Que trouve un laboureur

Sous terre

Révèle un empereur.

 

Les dieux eux-mêmes meurent,

Mais les vers souverains

Demeurent

Plus forts que les airains.

 

Sculpte, lime, cisèle;

Que ton rêve flottant

Se scelle

Dans le bloc résistant!

 

A arte da pintura

(Johannes Vermeer: pintor holandês)

 

A Arte

 

Sai mais perfeita e trabalhada

E nobre e rara,

A obra, entre esforços, acabada:

Esmalte, verso, ônix, carrara...

 

Nada de adorno contrafeito

E joia falsa,

E, para que marches direito,

Musa, um coturno estreito calça!

 

Despreza esse ritmo vulgar,

Como um sapato largo, a modo

Que o possa todo

Pé descalçar e recalcar.

 

O próprio barro que na tua

Mão, escultor, vive – se dele

Teu pensamento além flutua,

Forte, repele!

 

Luta e porfia contra o paros

Duro e o carrara, a jeito, apura,

Esses, os fiéis guardas avaros

Da Forma pura.

 

Toma emprestado a Siracusa

O bronze fino e eterno, por

Onde se acusa

O traço firme e encantador.

 

Tu, de mão leve, cuidadosa,

Na ágata firme, de buril

Talha em figura esplendorosa

Fébeo perfil.

 

Pintor, despreza as aquarelas,

E fixa a cor

Leve, das cousas mais singelas

No forno de um esmaltador.

 

E, das sereias

Azuis, voltando em convulsões,

As caudas leves, de algas cheias,

Faze as figuras dos brasões.

 

Dentro em seu limbo trilobado,

A Imaculada e o seu Jesus

Coloca e o Globo, este encimado

Da mesma cruz.

 

Tudo passa! Mas o robusto

Traço do Artista à eternidade

Resiste: o busto

Resta onde, outrora, foi cidade.

 

E, na medalha soterrada

Que acha, no campo, o lavrador

Fina, gravada,

Fica a imagem do imperador.

 

Os próprios deuses morrem… Não

Morrem, no entanto, os soberanos

Versos, que são

Bronzes eternos, contra os anos.

 

Talha, cinzela, lima e grava...

Teu sonho imenso, atormentado,

Na Forma escrava

Fique num bloco eternizado!

 

Referências:

 

Em Francês

 

GAUTIER, Théophile. L’art. In: __________. Émaux et Camées. Œuvres de Théophile Gautier. Poésies, vol. III. Paris, FR: Lemerre, 1890. p. 132-134.

 

Em Português

 

GAUTIER, Théophile. A arte. Tradução de Carlindo Lellis. In: MAGALHÃES JÚNIOR, R. Antologia de poetas franceses: do século XV ao século XX. Rio de Janeiro, RJ: Tupy, 1950. p. 138-139.

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