Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sábado, 13 de agosto de 2022

Mario Quintana - Olho as minhas mãos

Pairando em dúvidas existenciais, o escritor, poeta e tradutor gaúcho pergunta-se sobre as razões do seu próprio labor, em exame que perscruta a consciência diante da consabida sentença cartesiana sobre o logos, num estranhamento que, de todo modo, serve-lhe de móbil para a criação artística.

 

Engolfado em esperanças e medos, Quintana assombra-se diante do silêncio axiomático de tudo quanto se faz presença no mundo sensível, a regalar-se no simples existir; distintamente do ser humano, que, capturado pela linguagem, sente uma irresistível necessidade de dar sentido a tudo o que se encontra em seu entorno – “pedras, baobás, panteras, águas cantarolantes, o vento ventando”.

 

J.A.R. – H.C.

 

Mario Quintana

(1906-1994)

 

Olho as minhas mãos

 

Olho as minhas mãos: elas só não são estranhas

Porque são minhas. Mas é tão esquisito distendê-las

Assim, lentamente, como essas anêmonas do

fundo do mar…

Fechá-las, de repente,

Os dedos como pétalas carnívoras!

Só apanho, porém, com elas, esse alimento impalpável

do tempo,

Que me sustenta, e mata, e que vai secretando

o pensamento

Como tecem as teias as aranhas.

A que mundo

Pertenço?

No mundo há pedras, baobás, panteras,

Águas cantarolantes, o vento ventando

E no alto as nuvens improvisando sem cessar.

Mas nada, disso tudo, diz: “existo”.

Porque apenas existem…

Enquanto isto,

O tempo engendra a morte, e a morte gera os deuses

E, cheios de esperança e medo,

Oficiamos rituais, inventamos

Palavras mágicas,

Fazemos

Poemas, pobres poemas

Que o vento

Mistura, confunde e dispersa no ar…

Nem na estrela do céu nem na estrela do mar

Foi este o fim da Criação!

Mas, então,

Quem urde eternamente a trama de tão velhos sonhos?

Quem faz – em mim – esta interrogação?

 

Mãos

(Kimberly VanDenBerg: artista norte-americana)

 

Referência:

 

QUINTANA, Mario. Olho as minhas mãos. In: __________. Quintana de bolso: rua dos cataventos & outros poemas. Seleção de Sergio Faraco. Porto Alegre, RS: L&PM, 2015. p. 52-53. (Coleção ‘L&PM Pocket’, v. 71)

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