Pairando em dúvidas
existenciais, o escritor, poeta e tradutor gaúcho pergunta-se sobre as razões
do seu próprio labor, em exame que perscruta a consciência diante da consabida
sentença cartesiana sobre o logos, num estranhamento que, de todo modo, serve-lhe
de móbil para a criação artística.
Engolfado em esperanças
e medos, Quintana assombra-se diante do silêncio axiomático de tudo quanto se
faz presença no mundo sensível, a regalar-se no simples existir; distintamente
do ser humano, que, capturado pela linguagem, sente uma irresistível
necessidade de dar sentido a tudo o que se encontra em seu entorno – “pedras,
baobás, panteras, águas cantarolantes, o vento ventando”.
J.A.R. – H.C.
Mario Quintana
(1906-1994)
Olho as minhas mãos
Olho as minhas mãos:
elas só não são estranhas
Porque são minhas.
Mas é tão esquisito distendê-las
Assim, lentamente,
como essas anêmonas do
fundo do mar…
Fechá-las, de
repente,
Os dedos como pétalas
carnívoras!
Só apanho, porém, com
elas, esse alimento impalpável
do tempo,
Que me sustenta, e
mata, e que vai secretando
o pensamento
Como tecem as teias
as aranhas.
A que mundo
Pertenço?
No mundo há pedras, baobás, panteras,
Águas cantarolantes, o vento ventando
E no alto as nuvens
improvisando sem cessar.
Mas nada, disso tudo,
diz: “existo”.
Porque apenas
existem…
Enquanto isto,
O tempo engendra a
morte, e a morte gera os deuses
E, cheios de
esperança e medo,
Oficiamos rituais,
inventamos
Palavras mágicas,
Fazemos
Poemas, pobres poemas
Que o vento
Mistura, confunde e
dispersa no ar…
Nem na estrela do céu
nem na estrela do mar
Foi este o fim da
Criação!
Mas, então,
Quem urde eternamente a trama de tão velhos sonhos?
Quem faz – em mim –
esta interrogação?
Mãos
(Kimberly VanDenBerg: artista norte-americana)
Referência:
QUINTANA, Mario. Olho
as minhas mãos. In: __________. Quintana de bolso: rua dos cataventos
& outros poemas. Seleção de Sergio Faraco. Porto Alegre, RS: L&PM,
2015. p. 52-53. (Coleção ‘L&PM Pocket’, v. 71)
❁
Nenhum comentário:
Postar um comentário