Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sexta-feira, 12 de agosto de 2022

Mario Benedetti - Jogo de vilões

A morte emprega todos os seus estratagemas para tragar em seus domínios um infausto menino que, sem experiência, deixa-se levar pelas graças de um inocente brinquedo, quando a sinistra senhora então esgarça o seu cabedal de maldades: corta-lhe as veias, pica-lhe os olhos, tira-lhe o fôlego e o abate.

 

Em associação com o objeto do poema, lembrei-me de certas cenas do filme “O Sétimo Selo” (1956), do diretor sueco Ingmar Bergman (1918-2007), nas quais um cavaleiro, deparando com a morte, propõe-lhe a disputa de uma partida de xadrez, tudo como forma de ganhar tempo e poder refletir sobre o sentido da vida e – por que não? – da própria morte.

 

J.A.R. – H.C.

 

Mario Benedetti

(1920-2009)

 

Juego de villanos

 

La muerte se puso una cara de monstruo

una cara de monstruo horrible

esperó y esperó detrás de la esquina

salió al fin de la sombra como un trozo de sombra

y el niño huyó más rápido que su propio alarido.

 

Entonces la muerte se puso otra cara

una vieja cara de mendigo

esperó y esperó enfrente de la iglesia

extendiendo la mano y gimiendo su pena

y el niño no supo qué hacer con su piedad.

 

Entonces la muerte se puso otra cara

una cara de mujer hermosa

esperó y esperó con los brazos abiertos

tan maternal tan fiel tan persuasiva

que el niño quedó inmóvil de susto o de ternura.

 

Entonces la muerte sacó su última cara

una cara de juguete inocente

esperó y esperó tranquila en la bohardilla

tan quieta tan trivial tan seductora

que el niño le dio cuerda con una sola mano.

 

Entonces la muerte se animó despacito

más traidora que nunca y le cortó las venas

y le pinchó los ojos y le quitó el aliento

y era lo único que podía esperarse

porque con la muerte no se juega.

 

En: “Noción de patria" (1962-1963)

 

Sem título

(autor não identificado)

 

Jogo de vilões

 

A morte se pôs uma cara de monstro

uma cara de monstro horrível

esperou e esperou atrás da esquina

saiu por fim da sombra como um naco de sombra

e o menino fugiu mais rápido que seu próprio alarido.

 

Então a morte se pôs outra cara

uma velha cara de mendigo

esperou e esperou em frente à igreja

estendendo a mão e gemendo sua pena

e o menino não soube o que fazer com sua piedade.

 

Então a morte se pôs outra cara

uma cara de mulher bonita

esperou e esperou com os braços abertos

tão maternal tão fiel tão persuasiva

que o menino permaneceu imóvel com susto ou ternura.

 

Então a morte lançou mão de sua última cara

uma cara de brinquedo inocente

esperou e esperou tranquila no sótão

tão quieta tão trivial tão sedutora

que o menino lhe deu corda com uma só mão.

 

Então a morte se animou bem devagar

mais traiçoeira que nunca e lhe cortou as veias

e lhe picou os olhos e lhe tirou o fôlego

e era a única coisa que se poderia esperar

porque com a morte não se brinca.

 

Em: “Noção de pátria” (1962-1963)

 

Referência:

 

BENEDETTI, Mario. Juego de villanos. In: __________. Antología poética. Introducción de Pedro Orgambide. Selección del autor. 4. ed. 8. reimp. Madrid, ES: Alianza Editorial, 2017. p. 84-85. (‘El libro de bolsillo’)

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