Apesar de haver sido
dedicado, originalmente, ao poeta espanhol Vicente Aleixandre (1898-1928), Nobel
de Literatura em 1977, este poema minudencia suficientemente bem o labor de todo
poeta, em seus inefáveis traços – quase nos confins de um indeslindável
mistério –, no empenho de fazer arder uma luz etérea, por mais “diminuta” ou “tênue”
que seja, a condensar de algum modo a realidade das coisas.
Como se fosse um Prometeu
saído às entranhas da terra, o poeta empunha esse lume para romper o véu da
noite ou das sombras, trazendo consolo a todos os “humanos” – “fraternos” –, mergulhados
nos pélagos da incerteza e do desalento, tornando-os menos vulneráveis perante a
manifesta impermanência do mundo sensível.
J.A.R. – H.C.
Carlos Bousoño
(1923-2015)
La Labor del Poeta (*)
Tú, poeta, corazón
solitario.
Supiste del amor
porque eres hombre.
Amaste la verdad de
la llanura,
y tus ojos antiguos
percibieron
en el hondo horizonte
la callada
incógnita.
Nunca pude decirte
qué milagro
arde en tus ojos de
planeta ciego,
qué costado de luz
hay en tu vida
cuando tú miras
temblorosamente
caer la noche en la
extensión vacía.
Porque yo sé muy bien
qué nos ocultas.
En tu rincón de
sombra hay un vilano
de luz, hay un punto
de cálida corola
y tú lo miras
largamente mientras
la noche cae muy
honda. Todo duerme,
todo calla en la
noche. Mas palpita
la luz pequeña en el
rincón sombrío
su celeste inocencia,
su purísima
realidad.
Están ocultas todas
las estrellas,
todo se entenebrece
en el mundo.
No hay consuelo que
pueda aligerarnos
el corazón. De pronto
has levantado
tus manos rudas hacia
el firmamento.
Necesitado has toda
tu vida
acumulada para
hacerlo. Eran
muy pesadas tus
manos,
como de piedra o de metal
muy duro.
Has elevado con dolor
tus puños
entre la noche. Se
entreabrían lentos
con esfuerzo de
siglos, de raíces
que avanzan. Como
debajo de la tierra abrías
tus manos,
entre la densidad de
la materia
sombría. Y allá
lejos,
en el fúnebre
espacio, entre la espesa
sombra,
pudiste abrir al fin
sangriento el puño
y exhalar para todos
los humanos
fraternos, que tú
amabas,
la luz que tú
miraste,
la leve luz que
acompañó tu vida.
Hela brillando para
todos leve,
para todos celeste y
diminuta; hela brillando
no sé si como un agua
de frescura,
más sé que da
frescura,
no sé si como un río
o una gota
de un río
transparente.
Un agua que ha
corrido muy despacio,
que ha resbalado
lenta por tu vida,
que ha emanado de
vida temblorosa,
desde viejas raíces,
desde rotas
cavernas soterradas.
Desde un amor de
rocas soterradas.
Un amor por el mundo,
por el mundo
de angustiadas
sazones, de roídas
esperanzas, de ciegos
exterminios;
un mundo pobre de
lamida pena,
de triste horror, de
ocaso envejecido…
Vaso de Flores
(Jan van Huysum:
pintor holandês)
O Labor do Poeta
Tu, poeta, coração
solitário.
Soubeste do amor
porque és homem.
Amaste a verdade da planície
e teus olhos antigos
perceberam
no profundo horizonte
a calada
incógnita.
Nunca pude dizer-te qual
milagre
arde em teus olhos de
planeta cego,
qual flanco de luz há
em tua vida
quando contemplas, tremulantemente,
cair a noite na
extensão vazia.
Porque sei muito bem
o que nos ocultas.
Em teu reduto de
sombra há um filamento
de luz, há um ponto
de cálida corola
e tu o observas
longamente enquanto
a noite cai muito
profunda. Tudo dorme,
tudo silencia na
noite. Mas a pequena luz
palpita no reduto
sombrio
sua celeste
inocência, sua puríssima
realidade.
Estão ocultas todas
as estrelas,
tudo se entenebrece
no mundo.
Não há consolo que
possa abrandar
nossos corações. De
repente, ergueste
tuas ásperas mãos até
o firmamento.
Necessitaste de toda
a tua vida
acumulada para o
fazer. Eram
bastante pesadas as
tuas mãos,
como de pedra ou de
muito duro metal.
Elevaste com dor teus
punhos
durante a noite.
Entreabriam-se lentamente
com o esforço de
séculos, de raízes
que avançam. Como se por
baixo da terra descerrasses
tuas mãos,
em meio à densidade
da matéria
escura. E lá longe,
no fúnebre espaço, envolto
em espessa
sombra,
pudeste finalmente
abrir o punho sangrento
e exalar para todos
os humanos
fraternos, que
amavas,
a luz que
contemplaste,
a tênue luz que
acompanhou tua vida.
Ei-la a brilhar
tenuemente para todos,
para todos, celeste e
diminuta: ei-la a brilhar
não sei se como uma
água refrescante,
embora saiba de seu
frescor,
não sei se como um
rio ou uma gota
de um rio
transparente.
Uma água que correu
muito devagar,
que lenta resvalou
por tua vida,
que emanou de vida
tremulante,
desde velhas raízes,
desde rotas
cavernas soterradas.
Desde um amor de
rochas soterradas.
Um amor pelo mundo,
pelo mundo
de angustiadas sazões,
de corroídas
esperanças, de cegos
extermínios;
um mundo pobre de dessorada
pena
de triste horror, de
ocaso envelhecido...
Nota do Editor
Alejandro Duque Amusco:
(*) Em distintas
ocasiões, este poema foi publicado em homenagem a Vicente Alexandre; a primeira
delas, na revista “Cuadernos de Ágora”, 29-30 (março-abril
de 1959), págs. 15-16.
Referência:
BOUSOÑO, Carlos. La
labor del poeta. In: __________. Poesía – Antologia: 1945-1993. Edición
de Alejandro Duque Amusco. 2. ed. Madrid, ES: Espasa Calpe, 1995. p. 123-125.
(Colección ‘Austral’; v. 313)
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