Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quarta-feira, 3 de agosto de 2022

Carlos Bousoño - O Labor do Poeta

Apesar de haver sido dedicado, originalmente, ao poeta espanhol Vicente Aleixandre (1898-1928), Nobel de Literatura em 1977, este poema minudencia suficientemente bem o labor de todo poeta, em seus inefáveis traços – quase nos confins de um indeslindável mistério –, no empenho de fazer arder uma luz etérea, por mais “diminuta” ou “tênue” que seja, a condensar de algum modo a realidade das coisas.

 

Como se fosse um Prometeu saído às entranhas da terra, o poeta empunha esse lume para romper o véu da noite ou das sombras, trazendo consolo a todos os “humanos” – “fraternos” –, mergulhados nos pélagos da incerteza e do desalento, tornando-os menos vulneráveis perante a manifesta impermanência do mundo sensível.

 

J.A.R. – H.C.

 

Carlos Bousoño

(1923-2015)

 

La Labor del Poeta (*)

 

Tú, poeta, corazón solitario.

Supiste del amor porque eres hombre.

Amaste la verdad de la llanura,

y tus ojos antiguos percibieron

en el hondo horizonte la callada

incógnita.

Nunca pude decirte qué milagro

arde en tus ojos de planeta ciego,

qué costado de luz hay en tu vida

cuando tú miras temblorosamente

caer la noche en la extensión vacía.

 

Porque yo sé muy bien qué nos ocultas.

En tu rincón de sombra hay un vilano

de luz, hay un punto de cálida corola

y tú lo miras largamente mientras

la noche cae muy honda. Todo duerme,

todo calla en la noche. Mas palpita

la luz pequeña en el rincón sombrío

su celeste inocencia, su purísima

realidad.

Están ocultas todas las estrellas,

todo se entenebrece en el mundo.

No hay consuelo que pueda aligerarnos

el corazón. De pronto has levantado

tus manos rudas hacia el firmamento.

Necesitado has toda tu vida

acumulada para hacerlo. Eran

muy pesadas tus manos,

como de piedra o de metal muy duro.

Has elevado con dolor tus puños

entre la noche. Se entreabrían lentos

con esfuerzo de siglos, de raíces

que avanzan. Como debajo de la tierra abrías

tus manos,

entre la densidad de la materia

sombría. Y allá lejos,

en el fúnebre espacio, entre la espesa

sombra,

pudiste abrir al fin sangriento el puño

y exhalar para todos los humanos

fraternos, que tú amabas,

la luz que tú miraste,

la leve luz que acompañó tu vida.

 

Hela brillando para todos leve,

para todos celeste y diminuta; hela brillando

no sé si como un agua de frescura,

más sé que da frescura,

no sé si como un río o una gota

de un río transparente.

Un agua que ha corrido muy despacio,

que ha resbalado lenta por tu vida,

que ha emanado de vida temblorosa,

desde viejas raíces, desde rotas

cavernas soterradas.

Desde un amor de rocas soterradas.

Un amor por el mundo, por el mundo

de angustiadas sazones, de roídas

esperanzas, de ciegos exterminios;

un mundo pobre de lamida pena,

de triste horror, de ocaso envejecido…

 

Vaso de Flores

(Jan van Huysum: pintor holandês)

 

O Labor do Poeta

 

Tu, poeta, coração solitário.

Soubeste do amor porque és homem.

Amaste a verdade da planície

e teus olhos antigos perceberam

no profundo horizonte a calada

incógnita.

Nunca pude dizer-te qual milagre

arde em teus olhos de planeta cego,

qual flanco de luz há em tua vida

quando contemplas, tremulantemente,

cair a noite na extensão vazia.

 

Porque sei muito bem o que nos ocultas.

Em teu reduto de sombra há um filamento

de luz, há um ponto de cálida corola

e tu o observas longamente enquanto

a noite cai muito profunda. Tudo dorme,

tudo silencia na noite. Mas a pequena luz

palpita no reduto sombrio

sua celeste inocência, sua puríssima

realidade.

Estão ocultas todas as estrelas,

tudo se entenebrece no mundo.

Não há consolo que possa abrandar

nossos corações. De repente, ergueste

tuas ásperas mãos até o firmamento.

Necessitaste de toda a tua vida

acumulada para o fazer. Eram

bastante pesadas as tuas mãos,

como de pedra ou de muito duro metal.

Elevaste com dor teus punhos

durante a noite. Entreabriam-se lentamente

com o esforço de séculos, de raízes

que avançam. Como se por baixo da terra descerrasses

tuas mãos,

em meio à densidade da matéria

escura. E lá longe,

no fúnebre espaço, envolto em espessa

sombra,

pudeste finalmente abrir o punho sangrento

e exalar para todos os humanos

fraternos, que amavas,

a luz que contemplaste,

a tênue luz que acompanhou tua vida.

 

Ei-la a brilhar tenuemente para todos,

para todos, celeste e diminuta: ei-la a brilhar

não sei se como uma água refrescante,

embora saiba de seu frescor,

não sei se como um rio ou uma gota

de um rio transparente.

Uma água que correu muito devagar,

que lenta resvalou por tua vida,

que emanou de vida tremulante,

desde velhas raízes, desde rotas

cavernas soterradas.

Desde um amor de rochas soterradas.

Um amor pelo mundo, pelo mundo

de angustiadas sazões, de corroídas

esperanças, de cegos extermínios;

um mundo pobre de dessorada pena

de triste horror, de ocaso envelhecido...

 

Nota do Editor Alejandro Duque Amusco:

 

(*) Em distintas ocasiões, este poema foi publicado em homenagem a Vicente Alexandre; a primeira delas, na revista “Cuadernos de Ágora”, 29-30 (março-abril de 1959), págs. 15-16.

 

Referência:

 

BOUSOÑO, Carlos. La labor del poeta. In: __________. Poesía – Antologia: 1945-1993. Edición de Alejandro Duque Amusco. 2. ed. Madrid, ES: Espasa Calpe, 1995. p. 123-125. (Colección ‘Austral’; v. 313)

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