A voz lírica, neste
poema, pertence a José, o qual interpreta poeticamente o que lhe sucedeu em
conformidade ao disposto nos capítulos 37 a 48 do Gênesis: vendido pelos irmãos
a uma caravana que se dirigia ao Egito, mais tarde vem a se entender com eles,
quando o sonho que tivera e que dera ensejo ao ódio dos fraternos concretiza-se,
agora, sob condições bastante diversas.
Permita-se-me uma
inflexão: sobre o mesmo enredo bíblico de que se trata, Thomas Mann (1875-1955)
desenvolveu a tetralogia “José e seus irmãos” (1933-1943), autêntica paródia em
associação com o contexto socioeconômico de sua Alemanha natal e a consequente
transição do regime político da República de Weimar (1918-1933) em transvio ao
nazismo.
J.A.R. – H.C.
Carlos Nejar
(n. 1939)
José do Egito
Sou o filho predileto
do Pai,
o mais amado. E
provado
na agonia. Vendido,
atraiçoado. Conduzido
ao cárcere da morte
inexorável, com ração
quotidiana de
selvagem
humilhação. Opróbrio,
o sustento da
vergonha
de ser carne e ter
a indumentária
macilenta e dolorosa.
Não era mais homem,
era carga
de coisas delirantes.
E sabendo atestada
a minha morte,
inconcebível,
inconcebível foi
a dor do Pai,
com seu amor
que não perece.
E a fé se foi
forjando com aço
seca. Bétulas
em íntimo recesso.
E de tanto morrer, se
chega
a outro lado dessa
esfera,
que não e mais a
morte.
Via em mim a alba, a
luz
que vai na miudeza
límpida do orvalho.
Sabia que nos prazos
a agonia se
completava.
E não poderia mais,
como o celeiro que com
o último
bocado de cereal se
farta.
Assim que o Rei me
retirar
da morte, me
barbearei,
terei mudadas as
vestes.
Serei feixe de trigo
de ouro
e meus irmãos aos
molhos,
se inclinarão. Como
no sonho.
O sol, a lua, as onze
estrelas.
E ressuscitarei.
José comerciando grãos
no Egito
(Pieter Lastman:
pintor holandês)
Referência:
NEJAR, Carlos. José
do Egito. In: __________. Arca da aliança: personagens bíblicos. Guarapari, ES:
Nejarim - Paiol da Aurora, 1995. p. 35-36. (Coleção ‘Os Viventes’)
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