A realidade é o tema
ostensivo neste poema, redigido, como se nota, em 1973 – em plena ditatura
militar argentina –, no cárcere de “Villa Devoto”, em Buenos Aires: verdades e
mentiras, vigília e sonho, tudo integra o contexto em que se vive, sendo a
grade que aprisiona a única presença concernente ao mundo das aparências, irreal,
uma não-realidade.
Amor, militância
política, perseguição, tortura, erros e acertos... E a privação de liberdade, estabelecida
pelas barras de um calabouço ficto a resvalar para a impostura, a inclemência, a
engendrar atentados contra o povo, o qual, no centro do mundo factual, “marcha
até a vitória ou até a morte, que tropeça, que aprende a defender-se, a
resgatar o que é seu, a sua realidade”.
J.A.R. – H.C.
Francisco Urondo
(1930-1976)
La verdad es la única
realidad
Del otro lado de la
reja está la realidad, de
este lado de la reja
también está
la realidad; la única
irreal
es la reja; la
libertad es real aunque no se sabe bien
si pertenece al mundo
de los vivos, al
mundo de los muertos,
al mundo de las
fantasías o al mundo
de la vigilia, al de la explotación o
de la producción.
Los sueños, sueños
son; los recuerdos, aquel
cuerpo, ese vaso de
vino, el amor y
las flaquezas del
amor, por supuesto, forman
parte de la realidad;
un disparo en
la noche, en la
frente de estos hermanos, de estos hijos, aquellos
gritos irreales de
dolor real de los torturados en
el angelus eterno y
siniestro en una brigada de policía
cualquiera
son parte de la
memoria, no suponen necesariamente
el presente, pero
pertenecen a la realidad. La única aparente
es la reja
cuadriculando el cielo, el canto
perdido de un preso,
ladrón o combatiente, la voz
fusilada, resucitada
al tercer día en un vuelo inmenso
cubriendo la
Patagonia
porque las masacres,
las redenciones, pertenecen a la realidad,
como la esperanza
rescatada de la pólvora, de la inocencia
estival: son la
realidad, como el coraje y la convalecencia
del miedo, ese aire
que se resiste a volver después del peligro
como los designios de
todo un pueblo que marcha
hacia la victoria
o hacia la muerte,
que tropieza, que aprende a defenderse,
a rescatar lo suyo,
su
realidad.
Aunque parezca a
veces una mentira, la única
mentira no es
siquiera la traición, es
simplemente una reja
que no pertenece a la realidad.
(Cárcel de Villa
Devoto, abril de 1973)
En: “Poemas de
batalla”, Planeta, 1998.
Verdade
(Harshita Nandwani:
artista indiana)
A verdade é a única
realidade
Do outro lado da
grade está a realidade, deste
lado da grade também
está
a realidade; a única
irreal
é a grade; a
liberdade é real ainda que não se saiba bem
se pertence ao mundo
dos vivos, ao
mundo dos mortos, ao
mundo das
fantasias ou ao mundo
da vigília, ao da exploração ou
da produção.
Os sonhos, sonhos
são; as recordações, aquele
corpo, esse copo de
vinho, o amor e
as fraquezas do amor,
certamente, formam
parte da realidade;
um disparo
na noite, na frente
destes irmãos, destes filhos, aqueles
gritos irreais de dor
real dos torturados no
“angelus” eterno e
sinistro numa brigada de polícia
qualquer
são parte da memória,
não supõe necessariamente
o presente, mas
pertencem à realidade. A única aparente
é a grade
quadriculando o céu, o canto
perdido de um preso,
ladrão ou combatente, a voz
fuzilada,
ressuscitada ao terceiro dia num voo imenso
cobrindo a Patagônia
porque os massacres,
as redenções, pertencem à realidade,
como a esperança resgatada
da pólvora, da inocência
estival: são a
realidade, como a coragem e a convalescença
do medo, esse ar que
resiste a voltar depois do perigo
como os desígnios de
todo um povo que marcha
até a vitória
ou até a morte, que
tropeça, que aprende a defender-se,
a resgatar o seu, a
sua
realidade.
Ainda que pareça às
vezes uma mentira, a única
mentira não é sequer
a traição,
é simplesmente uma
grade que não pertence à realidade.
(Cárcere da Villa
Devoto, abril de 1973)
De: “Poemas de batalha”,
Planeta, 1998.
Referências:
Em Espanhol
URONDO, Francisco. La
verdad es la única realidad. In: __________. Francisco Urondo: entre los
poetas míos. [?], España: Biblioteca Virtual Omegalfa, mayo 2014. p.
28-29. (Colección Antológica de Poesía Social; Cuaderno de poesía crítica n. 78).
Disponível neste endereço. Acesso em: 14 ago.
2022.
Em Português
URONDO, Francisco “Paco”. A verdade é a única realidade. Tradução de Jeff Vasques. In: VASQUES, Jeff (Pesquisa e Tradução). Poesias de luta da América Latina. Prefácio de Mauro Iasi e Luis C. Scapi, 1. ed., 2017. p. 12. Versão eletrônica disponível neste endereço. Acesso em: 14 ago. 2022.
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