Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quinta-feira, 11 de agosto de 2022

Silva Kaputikian - A meu Deus

Kaputikian, cujo pai morreu de cólera três meses antes do seu nascimento, com denodada presença de espírito, dirige-se a Deus para indagá-lo sobre as razões pelas quais haveria um certo desequilíbrio nos pratos de sua balança, sempre mais a impactar o lado das cobranças, dos deveres, dos reveses, do que o lado das benesses recebidas.

 

A poetisa, primeiramente, nega a existência de Deus; depois põe-no em dúvida; em seguida, acaba por aceitar a sua presença como fonte de refúgio e consolo. Mas, no fundo, espera que luzes a alcancem para tornar mais compreensíveis os cânones desse “pacto insondável” a presidir a vida, o qual, se consistente com o sentido de justiça, se lhe afigura como carente de algum remédio.

 

J.A.R. – H.C.

 

Silva Kaputikian

(1919-2006)

 

A meu Deus

 

Deus!

Que eu saiba, não existes.

Será que existes?

É fácil, em nossa vida,

buscar refúgio em ti.

Seja como for,

tu me inspiraste, desde a infância,

a estar sempre de acordo contigo.

 

Embora me hajas agraciado

com paixão,

honras,

brilhos,

por um pacto insondável,

tu o contrabalançaste com adversidades.

 

Não conheci pai,

ao vir à luz deste mundo;

cresci sem venturas;

sonhos fugazes de lua de mel

foram amargamente compensados

por ânsias angustiantes.

 

Tiraste-me obstinadamente

quanto anela um coração de mulher:

carícias,

afeição conjugal,

carinho de filhos,

chilrear de netos...

 

Nada tenho a reclamar!

Apenas, comentando silenciosamente,

quero-te lembrar:

– o que de mim cobraste

não teria sido

mais do que me ofereceste?

 

Mulher aos prantos

(Kazuya Akimoto: artista japonês)

 

Referência:

 

KAPUTIKIAN, Silva. A meu Deus. Provável tradução de Yessai Ohannes Kerouzian. In: KEROUZIAN, Yessai Ohannes (Organizador e provável tradutor). A nova poesia armênia. [São Paulo (SP)?]: [s.ed.]; [1982?]. p. 202-203. (Série ‘Armênia’; nº 8).

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