Kaputikian, cujo pai morreu de cólera três meses antes
do seu nascimento, com denodada presença de espírito, dirige-se a Deus para indagá-lo
sobre as razões pelas quais haveria um certo desequilíbrio nos pratos de sua
balança, sempre mais a impactar o lado das cobranças, dos deveres, dos reveses,
do que o lado das benesses recebidas.
A poetisa,
primeiramente, nega a existência de Deus; depois põe-no em dúvida; em seguida, acaba
por aceitar a sua presença como fonte de refúgio e consolo. Mas, no fundo,
espera que luzes a alcancem para tornar mais compreensíveis os cânones desse “pacto
insondável” a presidir a vida, o qual, se consistente com o sentido de justiça,
se lhe afigura como carente de algum remédio.
J.A.R. – H.C.
Silva Kaputikian
(1919-2006)
A meu Deus
Deus!
Que eu saiba, não
existes.
Será que existes?
É fácil, em nossa
vida,
buscar refúgio em ti.
Seja como for,
tu me inspiraste,
desde a infância,
a estar sempre de
acordo contigo.
Embora me hajas
agraciado
com paixão,
honras,
brilhos,
por um pacto
insondável,
tu o contrabalançaste
com adversidades.
Não conheci pai,
ao vir à luz deste
mundo;
cresci sem venturas;
sonhos fugazes de lua
de mel
foram amargamente
compensados
por ânsias
angustiantes.
Tiraste-me
obstinadamente
quanto anela um
coração de mulher:
carícias,
afeição conjugal,
carinho de filhos,
chilrear de netos...
Nada tenho a
reclamar!
Apenas, comentando
silenciosamente,
quero-te lembrar:
– o que de mim
cobraste
não teria sido
mais do que me
ofereceste?
Mulher aos prantos
(Kazuya Akimoto:
artista japonês)
Referência:
KAPUTIKIAN, Silva. A
meu Deus. Provável tradução de Yessai Ohannes Kerouzian. In: KEROUZIAN, Yessai
Ohannes (Organizador e provável tradutor). A nova poesia armênia. [São
Paulo (SP)?]: [s.ed.]; [1982?]. p. 202-203. (Série ‘Armênia’; nº 8).
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