Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

terça-feira, 23 de agosto de 2022

Jane Hirshfield - Em Louvor à Frieza

O recurso à objetividade, empregando-se, quando pertinentes, humor, sátira ou hipérbole, permite que se confira maior impacto aos assuntos mais graves, propensos a serem abordados pela criação poética: trata-se do apelo à impassibilidade, para não se deixar os versos pejados de sentimentalismo, sobretudo quando o tema tem matiz emocional.

 

O cerne do poema deveria, segundo Hirshfield, ser “desidratado” e “desapegado”, embora tais atributos não equivalham ao poema propriamente dito, mas simplesmente ao meio mediante o qual o poema, paradoxalmente, se matiza ou floresce: a “frieza” das imagens suscitadas – resgatadas à “jornada reconhecível” de cada poeta, suas memórias, seu apego à terra, seu estágio de vida – deve falar por si, podendo despertar até mesmo associações, na mente do leitor, suscetíveis de ir de encontro à própria frieza em questão. Mas isso deve ficar por conta, obviamente, da ótica perfilhada pelos destinatários do poema!

 

J.A.R. – H.C.

 

Jane Hirshfield

(n. 1953)

 

In Praise of Coldness

 

“If you wish to move your reader,”

Chekhov said, “you must write more coldly.”

 

Herakleitos recommended, “A dry soul is best.”

 

And so at the center of many great works

is found a preserving dispassion,

like the vanishing point of quattrocentro perspective,

or tiny packets of desiccant enclosed

in a box of new shoes or seeds.

 

But still the vanishing point

is not the painting,

the silica is not the blossoming plant.

 

Chekhov, dying, read the timetables of trains.

To what more earthly thing could he have been faithful? –

Scent of rocking distances,

smoke of blue trees out the window,

hampers of bread, pickled cabbage, boiled meat.

 

Scent of a knowable journey.

 

Neither a person entirely broken

nor one entirely whole can speak.

 

In sorrow, pretend to be fearless. In happiness, tremble.

 

Vista através da janela da cozinha

(Jim Hollich: pintor norte-americano)

 

Em Louvor à Frieza

 

“Se desejas comover o teu leitor”,

disse Tchekhov, “deves escrever mais friamente”.

 

“Melhor é ter uma alma seca”, recomendou Heráclito.

 

Desse modo, no centro de muitas obras de relevo,

encontra-se um desapego conservador,

como o ponto de fuga da perspectiva do quattrocentro,

ou pequenos pacotes de dessecante encerrados

numa caixa de sapatos novos ou de sementes.

 

Mas ainda assim, o ponto de fuga

não é a pintura,

a sílica não é a planta em flor.

 

Tchekhov, moribundo, pôs-se a ler os horários dos trens.

A que coisa mais terrena poderia ele ter sido fiel? –

Rastos de estonteantes distâncias,

laivos de árvores azuis por fora da janela,

cestos de pão, repolho em conserva, carne cozida.

 

Vestígios de uma reconhecível jornada.

 

Nem uma pessoa cindida por inteiro, tampouco

outra plenamente íntegra, estão aptas a falar.

 

Na aflição, finja destemor. Na felicidade, estremeça.

 

Referência:

 

HIRSHFIELD, Jane. In praise of coldness. In: PINSKY, Robert (Guest Editor); David Lehman (Series Editor). The best of the best american poetry. 25th anniversary edition. First Scribner edition. New York, NY: Scribner Poetry, april 2013. p. 113.

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