O recurso à objetividade,
empregando-se, quando pertinentes, humor, sátira ou hipérbole, permite que se confira
maior impacto aos assuntos mais graves, propensos a serem abordados pela
criação poética: trata-se do apelo à impassibilidade, para não se deixar os
versos pejados de sentimentalismo, sobretudo quando o tema tem matiz emocional.
O cerne do poema
deveria, segundo Hirshfield, ser “desidratado” e “desapegado”, embora tais
atributos não equivalham ao poema propriamente dito, mas simplesmente ao meio mediante
o qual o poema, paradoxalmente, se matiza ou floresce: a “frieza” das imagens
suscitadas – resgatadas à “jornada reconhecível” de cada poeta, suas memórias, seu
apego à terra, seu estágio de vida – deve falar por si, podendo despertar até
mesmo associações, na mente do leitor, suscetíveis de ir de encontro à própria
frieza em questão. Mas isso deve ficar por conta, obviamente, da ótica
perfilhada pelos destinatários do poema!
J.A.R. – H.C.
Jane Hirshfield
(n. 1953)
In Praise of Coldness
“If you wish to move
your reader,”
Chekhov said, “you
must write more coldly.”
Herakleitos
recommended, “A dry soul is best.”
And so at the center
of many great works
is found a preserving
dispassion,
like the vanishing
point of quattrocentro perspective,
or tiny packets of
desiccant enclosed
in a box of new shoes
or seeds.
But still the
vanishing point
is not the painting,
the silica is not the
blossoming plant.
Chekhov, dying, read
the timetables of trains.
To what more earthly
thing could he have been faithful? –
Scent of rocking
distances,
smoke of blue trees
out the window,
hampers of bread,
pickled cabbage, boiled meat.
Scent of a knowable
journey.
Neither a person
entirely broken
nor one entirely
whole can speak.
In sorrow, pretend to
be fearless. In happiness, tremble.
Vista através da
janela da cozinha
(Jim Hollich: pintor
norte-americano)
Em Louvor à Frieza
“Se desejas comover o
teu leitor”,
disse Tchekhov, “deves
escrever mais friamente”.
“Melhor é ter uma
alma seca”, recomendou Heráclito.
Desse modo, no
centro de muitas obras de relevo,
encontra-se um
desapego conservador,
como o ponto de fuga
da perspectiva do quattrocentro,
ou pequenos pacotes
de dessecante encerrados
numa caixa de sapatos
novos ou de sementes.
Mas ainda assim, o
ponto de fuga
não é a pintura,
a sílica não é a planta
em flor.
Tchekhov, moribundo,
pôs-se a ler os horários dos trens.
A que coisa mais
terrena poderia ele ter sido fiel? –
Rastos de estonteantes
distâncias,
laivos de árvores
azuis por fora da janela,
cestos de pão,
repolho em conserva, carne cozida.
Vestígios de uma
reconhecível jornada.
Nem uma pessoa cindida
por inteiro, tampouco
outra plenamente
íntegra, estão aptas a falar.
Na aflição, finja
destemor. Na felicidade, estremeça.
Referência:
HIRSHFIELD, Jane. In praise
of coldness. In: PINSKY, Robert (Guest Editor); David Lehman (Series Editor). The
best of the best american poetry. 25th anniversary edition. First Scribner
edition. New York, NY: Scribner Poetry, april 2013. p. 113.
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