O ente lírico se diz
mudado diante do relacionamento mantido com sua amada, a quem dirige os versos
do poema: fá-lo cantar como o tenor italiano Pavarotti, dar radiantes risadas
como o transmutado Scrooge no conto de Dickens, cumprimentar inimigos ou
perdoar passivos de devedores com uma “generosidade papal”.
O que o amor não engendra
no espírito daquelas pessoas que vivem a vida no torpor do desânimo,
sentindo-se diminuídas no convívio humano, incitando-as ao arrebatamento e à
ação: por pujante benquerença à amada, o falante tornou-se hábil a livrar o
jardim das ervas daninhas e a passar cera para reluzir o automóvel dela! Quais
seriam as cenas do próximo capítulo?! (rs)
J.A.R. – H.C.
Robert Phillips
(n. 1938)
The Changed Man
If you were to hear
me imitating Pavarotti
in the shower every
morning, you’d know
how much you have
changed my life.
If you were to see me
stride across the park,
waving to strangers,
then you would know
I am a changed man –
like Scrooge
awakened from his bad
dreams feeling feather-
light, angel-happy,
laughing the father
of a long line of
bright laughs –
“It is still not too
late to change my life!”
It is changed. Me,
who felt short-changed. (*)
Because of you I no
longer hate my body.
Because of you I buy
new clothes.
Because of you I’m a
warrior of joy.
Because of you and
me. Drop by
this Saturday morning
and discover me
fiercely pulling
weeds gladly, dedicated
as a born-again
gardener.
Drop by on Sunday – I’ll
Turtlewax
your sky-blue sports
car, no sweat. I’ll greet
enemies with a
handshake, forgive debtors
with a papal
largesse. It’s all because
of you. Because of
you and me,
I’ve become one
changed man.
São Domingos
(Sandro Botticelli:
pintor italiano)
O Homem Mudado
Se me escutasses imitando
Pavarotti
sob o chuveiro todas
as manhãs, saberias
o quanto mudaste a
minha vida.
Se me visses caminhando
pelo parque,
acenando a estranhos,
então saberias
que sou um homem
mudado – como Scrooge
despertado de seus pesadelos,
sentindo-se leve
como uma pluma, feliz
como um anjo, o risonho pai
de uma longa fila de
gargalhadas radiantes –
“Ainda não é tarde demais
para mudar a minha vida!”
Mudada ela está. Eu,
que me sentia menosprezado. (*)
Por tua causa, já não
odeio meu corpo.
Por tua causa, compro
roupas novas.
Por tua causa, sou um
guerreiro da alegria.
Por tua causa e por
mim. Passa por aqui,
na manhã deste
sábado, e descobre-me a arrancar
ervas daninhas com
gosto, dedicado
como um renascido
jardineiro.
Passa por aqui no
domingo – passarei cera em teu carro
esportivo
azul-celeste, sem transpirar. Cumprimentarei
inimigos com um
aperto de mão, perdoarei devedores
com uma generosidade
papal. Tudo isso por tua
causa. Por tua causa
e por mim,
tornei-me um homem
mudado.
Nota:
(*). A rigor, “short-changed”
tem “trapaceado”, “defraudado” ou algo similar como tradução literal, o que não
traria, a meu ver, um sentido congruente à versão em português, em combinação
com os versos contíguos. Daí porque optei por empregar a palavra
“menosprezado”. O leitor poderia, de todo modo, perceber o escopo polissêmico
de seu emprego no verso original, ou seja, de que o falante antes se encontrava
“insuficientemente mudado” – o que resultaria em linha com o título do poema, a
pressupor alterações na conduta ou no modo de ser do ente lírico.
Referência:
PHILLIPS, Robert. The
changed man. In: KEILLOR, Garrison (Selection and Introduction). Good poems.
New York, NY: Penguin Books, 2003. p. 103.
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