Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quinta-feira, 18 de agosto de 2022

Robert Phillips - O Homem Mudado

O ente lírico se diz mudado diante do relacionamento mantido com sua amada, a quem dirige os versos do poema: fá-lo cantar como o tenor italiano Pavarotti, dar radiantes risadas como o transmutado Scrooge no conto de Dickens, cumprimentar inimigos ou perdoar passivos de devedores com uma “generosidade papal”.

 

O que o amor não engendra no espírito daquelas pessoas que vivem a vida no torpor do desânimo, sentindo-se diminuídas no convívio humano, incitando-as ao arrebatamento e à ação: por pujante benquerença à amada, o falante tornou-se hábil a livrar o jardim das ervas daninhas e a passar cera para reluzir o automóvel dela! Quais seriam as cenas do próximo capítulo?! (rs)

 

J.A.R. – H.C.

 

Robert Phillips

(n. 1938)

 

The Changed Man

 

If you were to hear me imitating Pavarotti

in the shower every morning, you’d know

how much you have changed my life.

 

If you were to see me stride across the park,

waving to strangers, then you would know

I am a changed man – like Scrooge

 

awakened from his bad dreams feeling feather-

light, angel-happy, laughing the father

of a long line of bright laughs –

 

“It is still not too late to change my life!”

It is changed. Me, who felt short-changed. (*)

Because of you I no longer hate my body.

 

Because of you I buy new clothes.

Because of you I’m a warrior of joy.

Because of you and me. Drop by

 

this Saturday morning and discover me

fiercely pulling weeds gladly, dedicated

as a born-again gardener.

 

Drop by on Sunday – I’ll Turtlewax

your sky-blue sports car, no sweat. I’ll greet

enemies with a handshake, forgive debtors

 

with a papal largesse. It’s all because

of you. Because of you and me,

I’ve become one changed man.

 

São Domingos

(Sandro Botticelli: pintor italiano)

 

O Homem Mudado

 

Se me escutasses imitando Pavarotti

sob o chuveiro todas as manhãs, saberias

o quanto mudaste a minha vida.

 

Se me visses caminhando pelo parque,

acenando a estranhos, então saberias

que sou um homem mudado – como Scrooge

 

despertado de seus pesadelos, sentindo-se leve

como uma pluma, feliz como um anjo, o risonho pai

de uma longa fila de gargalhadas radiantes –

 

“Ainda não é tarde demais para mudar a minha vida!”

Mudada ela está. Eu, que me sentia menosprezado. (*)

Por tua causa, já não odeio meu corpo.

 

Por tua causa, compro roupas novas.

Por tua causa, sou um guerreiro da alegria.

Por tua causa e por mim. Passa por aqui,

 

na manhã deste sábado, e descobre-me a arrancar

ervas daninhas com gosto, dedicado

como um renascido jardineiro.

 

Passa por aqui no domingo – passarei cera em teu carro

esportivo azul-celeste, sem transpirar. Cumprimentarei

inimigos com um aperto de mão, perdoarei devedores

 

com uma generosidade papal. Tudo isso por tua

causa. Por tua causa e por mim,

tornei-me um homem mudado.

 

Nota:

 

(*). A rigor, “short-changed” tem “trapaceado”, “defraudado” ou algo similar como tradução literal, o que não traria, a meu ver, um sentido congruente à versão em português, em combinação com os versos contíguos. Daí porque optei por empregar a palavra “menosprezado”. O leitor poderia, de todo modo, perceber o escopo polissêmico de seu emprego no verso original, ou seja, de que o falante antes se encontrava “insuficientemente mudado” – o que resultaria em linha com o título do poema, a pressupor alterações na conduta ou no modo de ser do ente lírico.

 

Referência:

 

PHILLIPS, Robert. The changed man. In: KEILLOR, Garrison (Selection and Introduction). Good poems. New York, NY: Penguin Books, 2003. p. 103.

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