As imagens empregadas por Khlébnikov
não deixam margem a dúvidas sobre o sentido tenebroso a ser atribuído às
metáforas de que lança mão nestes versos: a presença de um corvo, a esvoaçar às proximidades
de onde se encontra um lavrador, denota a presença de maus augúrios, temor pela
desgraça, dor e tristeza, decorrentes das tantas guerras na história da
humanidade.
Sobre as cidades
do mundo decanta-se a poeira da morte, pelo tanto que se incorre nos caminhos
do erro, cinza a guardar a memória dos que sucumbem às sandices levadas a
efeito pelo homem. Mas também, por meio dela, se revela o distintivo da força
criadora, de tudo o que se reforma, capaz de produzir novos frutos: a menção às
figuras de um menino e de uma noiva associa-se, decerto, a esse mundo de regeneração.
E assim, a poeira
acaba por se estender às raias do infinito cósmico: cito aqui as palavras de
Rumi, para quem, caso fosse possível abrir um grão de poeira, nele se poderia encontrar
um sol e vários planetas a girar em volta.
J.A.R. – H.C.
Vielimir Khlébnikov
(1885-1922)
Пусть пахарь, покидая борону
Пусть пахарь, покидая борону,
Посмотрит вслед летающему ворону
И скажет: в голосе его
Звучит сраженье Трои,
Ахилла бранный вой
И плач царицы,
Когда он кружит, черногубый,
Над самой головой.
Пусть пыльный стол, где много пыли,
Узоры пыли расположит
Седыми недрами волны.
И мальчик любопытный скажет:
Вот эта пыль – Москва, быть может,
А это Пекин иль Чикаго пажить.
Ячейкой сети рыболова
Столицы землю окружили.
Узлами пыли очикажить
Захочет землю звук миров.
И пусть невеста, не желая
Носить кайму из похорон ногтей,
От пыли ногти очищая,
Промолвит: здесь горят, пылая,
Живые солнца, и те миры,
Которых ум не смеет трогать,
Закрыл холодным мясом ноготь.
Я верю, Сириус под ногтем
Разрезать светом изнемог темь.
(Конец 1921 – Начало 1922)
Um granjeiro com seus
bois
(Alexander Eckener:
pintor alemão)
O lavrador,
abandonando a enxada
O lavrador,
abandonando a enxada,
Contempla o voo de um
corvo
E diz: em sua voz
ressoa
A Guerra de Troia,
A ira de Aquiles,
O pranto de Hécuba,
enquanto voa
sobre nossas cabeças.
Na mesa empoeirada
O acaso criou na poeira
Seus estranhos
desenhos.
Diz um menino
curioso:
Essa poeira talvez é
Moscou
E essa talvez é
Chicago ou Pequim.
A rede de um pescador
Entrama as capitais
da Terra
Nos laços da poeira,
Nas malhas dessa
melodia.
E a noiva não
desejando
Manter a poeira das
unhas
afirma ao limpá-las:
Esplendem na poeira
Vivos Sóis e tantos
mundos
De todo inatingíveis,
Fechados na matéria
fria.
E Sirius resplandece
sob as unhas
Rompendo com seu
brilho a escuridão.
(Final de 1921 –
Início de 1922)
Referências:
Em Russo
ХЛЕБНИКОВ, Велимир. Пусть пахарь, покидая борону. Disponível neste
endereço. Acesso em: 12 ago. 2022.
Em Português
KHLÉBNIKOV, Vielimir.
O lavrador, abandonando a enxada. Tradução de Marco Lucchesi. In: PITHON,
Mariana; CAMPOS, Nathalia (Orgs.). Poemas russos. Belo Horizonte, MG:
FALE/UFMG, 2011. p. 25. (‘Viva Voz’)
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