Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sábado, 20 de agosto de 2022

Vielimir Khlébnikov - O lavrador, abandonando a enxada

As imagens empregadas por Khlébnikov não deixam margem a dúvidas sobre o sentido tenebroso a ser atribuído às metáforas de que lança mão nestes versos: a presença de um corvo, a esvoaçar às proximidades de onde se encontra um lavrador, denota a presença de maus augúrios, temor pela desgraça, dor e tristeza, decorrentes das tantas guerras na história da humanidade.

 

Sobre as cidades do mundo decanta-se a poeira da morte, pelo tanto que se incorre nos caminhos do erro, cinza a guardar a memória dos que sucumbem às sandices levadas a efeito pelo homem. Mas também, por meio dela, se revela o distintivo da força criadora, de tudo o que se reforma, capaz de produzir novos frutos: a menção às figuras de um menino e de uma noiva associa-se, decerto, a esse mundo de regeneração.

 

E assim, a poeira acaba por se estender às raias do infinito cósmico: cito aqui as palavras de Rumi, para quem, caso fosse possível abrir um grão de poeira, nele se poderia encontrar um sol e vários planetas a girar em volta.

 

J.A.R. – H.C.

 

Vielimir Khlébnikov

(1885-1922)

 

Пусть пахарь, покидая борону

 

Пусть пахарь, покидая борону,

Посмотрит вслед летающему ворону

И скажет: в голосе его

Звучит сраженье Трои,

Ахилла бранный вой

И плач царицы,

Когда он кружит, черногубый,

Над самой головой.

Пусть пыльный стол, где много пыли,

Узоры пыли расположит

Седыми недрами волны.

И мальчик любопытный скажет:

Вот эта пыль Москва, быть может,

А это Пекин иль Чикаго пажить.

Ячейкой сети рыболова

Столицы землю окружили.

Узлами пыли очикажить

Захочет землю звук миров.

И пусть невеста, не желая

Носить кайму из похорон ногтей,

От пыли ногти очищая,

Промолвит: здесь горят, пылая,

Живые солнца, и те миры,

Которых ум не смеет трогать,

Закрыл холодным мясом ноготь.

Я верю, Сириус под ногтем

Разрезать светом изнемог темь.

 

(Конец 1921 Начало 1922)

 

Um granjeiro com seus bois

(Alexander Eckener: pintor alemão)

 

O lavrador, abandonando a enxada

 

O lavrador, abandonando a enxada,

Contempla o voo de um corvo

E diz: em sua voz ressoa

A Guerra de Troia,

A ira de Aquiles,

O pranto de Hécuba,

enquanto voa

sobre nossas cabeças.

Na mesa empoeirada

O acaso criou na poeira

Seus estranhos desenhos.

Diz um menino curioso:

Essa poeira talvez é Moscou

E essa talvez é Chicago ou Pequim.

A rede de um pescador

Entrama as capitais da Terra

Nos laços da poeira,

Nas malhas dessa melodia.

E a noiva não desejando

Manter a poeira das unhas

afirma ao limpá-las:

Esplendem na poeira

Vivos Sóis e tantos mundos

De todo inatingíveis,

Fechados na matéria fria.

E Sirius resplandece sob as unhas

Rompendo com seu brilho a escuridão.

 

(Final de 1921 – Início de 1922)

 

Referências:

 

Em Russo

 

ХЛЕБНИКОВ, Велимир. Пусть пахарь, покидая борону. Disponível neste endereço. Acesso em: 12 ago. 2022.

 

Em Português

 

KHLÉBNIKOV, Vielimir. O lavrador, abandonando a enxada. Tradução de Marco Lucchesi. In: PITHON, Mariana; CAMPOS, Nathalia (Orgs.). Poemas russos. Belo Horizonte, MG: FALE/UFMG, 2011. p. 25. (‘Viva Voz’)

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