Enzensberger, com todo aquele sarcasmo que lhe é característico, inculpa as vítimas – os cordeiros – pela opressão e exploração que sofrem, malsinando-as por ajudar e apoiar ativamente os perpetradores daquelas arbitrariedades – os lobos –, permitindo-lhes governar: haveria exemplo melhor do que o do maluco de plantão em Pindorama, eleito mediante um mar de “fake news” propagadas por robôs em grupos do WhatsApp e nas redes sociais?!
Nesse sentido, as vítimas – no caso pátrio, em especial as que pertencem às classes menos providas de recursos, que se deixam manipular mais facilmente por políticos inescrupulosos – não teriam do que se lamentar ou contra o que protestar, pois que as coisas decorrem de suas próprias decisões: na hipótese de não mudança no comportamento dos cordeiros, seria de se esperar que os governantes, de modo voluntário, renunciassem às sinecuras de que dispõem em razão dos cargos que ocupam?!
J.A.R. – H.C.
Hans Magnus Enzensberger
(n. 1939)
Verteidigung der Wölfe
gegen die Lämmer
Soll der Geier Vergißmeinnicht fressen?
Was verlangt ihr vom Schakal,
daß er sich Häute; vom Wolf? Soll
er sich selber ziehen die Zähne?
Was gefällt euch nicht
an Politruks und an Päpsten,
was guckt ihr blöd aus der Wäsche
auf den verlogenen Bildschirm?
Wer näht denn dem General
den Blutstreif an seine Hosen? Wer
zerlegt vor dem Wucherer den Kapaun?
Wer hängt sich stolz das Blechkreuz
vor den knurrenden Nabel? Wer
nimmt das Trinkgeld, den Silberling,
den Schweigepfennig? Es gibt
viel Bestohlene, wenig Diebe; wer
applaudiert ihnen denn, wer
steckt die Abzeichen an, wer
lechzt denn nach Lüge?
Seht in den Spiegel: feig,
scheuend die Mühsal der Wahrheit,
dem Lernen abgeneigt, das Denken
überantwortend den Wölfen,
der Nasenring euer teuerster Schmuck,
keine Täuschung zu dumm, kein Trost
zu billig, jede Erpressung
ist für euch noch zu milde.
Ihr Lämmer, Schwestern sind,
mit euch verglichen, die Krähen:
ihr blendet einer den andern.
Brüderlichkeit herrscht
unter den Wölfen:
sie gehen in Rudeln.
Gelobt sein die Räuber; ihr,
einladend zur Vergewaltigung,
werft euch aufs faule Bett
des Gehorsams, Winselnd noch
lügt ihr, Zerrissen
wollt ihr werden, ihr
ändert die Welt nicht.
O Lobo e o Cordeiro
(Jean-Baptiste Oudry: pintor francês)
Defesa dos Lobos
contra os Cordeiros
Querem que o abutre coma miosótis?
O que exigem do chacal,
do lobo, que mude de pele? Querem
que ele mesmo extraia seus dentes?
O que é que não apreciam
nos comissários políticos e nos papas,
por que olham, feito burros,
o vídeo mentiroso?
Quem costura a faixa de sangue
nas calças do general? Quem
trincha, diante do agiota, o capão?
Quem pendura, orgulhoso, a cruz de lata
sobre o umbigo que ronca de fome? Quem
aceita a propina, a moeda de prata,
o centavo para calar-se? Há
muitos roubados, poucos ladrões; quem
os aplaude, quem
lhes põe insígnias no peito, quem
é sequioso de mentiras?
Olhem-se no espelho: covardes,
temendo a fadiga da verdade,
sem vontade de aprender, entregando
o pensar aos lobos,
um anel no nariz como adorno preferido,
nenhuma ilusão burra o bastante, nenhum consolo
barato o suficiente, cada chantagem
ainda é clemente demais para vocês.
Ó cordeiros, irmãs
são as gralhas comparadas a vocês:
vocês se arrancam os olhos uns aos outros.
Fraternidade reina
entre os lobos:
andam em alcateias.
Louvados sejam os salteadores: vocês
convidam para o estupro
deitando-se no leito preguiçoso
da obediência. Mesmo gemendo
vocês mentem. Querem
ser devorados. Vocês
não mudam o mundo.
Referência:
ENZENSBERGER, Hans Magnus. Verteidigung
der wölfe gegen die lämmer / Defesa dos lobos contra os cordeiros. Tradução de
Kurt Scharf e Armindo Trevisan. In: __________. Eu falo dos que não falam:
antologia. Edição bilíngue. Seleção dos textos de Kurt Scharf. Tradução de Kurt
Scharf e Armindo Trevisan. Prefácio de Bärbel Gutzat. São Paulo, SP:
Brasiliense, 1985. Em alemão e em português: p. 25-26.
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