“Monumentar” os elementos mais desimportantes que estão à nossa volta: tal é o intento do poeta, ao vislumbrar a magnificência com que Cristo, Francisco de Assis, Vieira, Shakespeare, Chaplin e tantos outros obsequiaram aos objetos de suas respectivas afeições – e, em específico para o seu caso, “monumentar as pobres coisas do chão mijadas de orvalho”.
Somente essa “mania de grandeza”, de soberbia, é que lhe remanesceu, legada de seus ancestrais – nobres que acabaram por empobrecer: ver o grande no pequeno, a magnitude no modesto, o assombroso no delimitado, isto sim configura uma epifania castiça, trazidas à superfície tão apenas por almas longânimes como a do poeta.
J.A.R. – H.C.
Manoel de Barros
(1916-2014)
Venho de nobres que empobreceram
Venho de nobres que empobreceram.
Restou-me por fortuna a soberbia.
Com esta doença de grandezas:
Hei de monumentar os insetos!
(Cristo monumentou a Humildade quando
beijou os pés dos seus discípulos.
São Francisco monumentou as aves.
Vieira, os peixes.
Shakespeare, o Amor, a Dúvida, os tolos.
Charles Chaplin monumentou os vagabundos.)
Com esta mania de grandeza:
Hei de monumentar as pobres coisas do chão
mijadas de orvalho.
Orvalho sobre a grama
(Anirban Kar: artista indiano)
Referência:
BARROS, Manoel de. Venho de nobres que
empobreceram. In: __________. Livro sobre nada. Ilustrações de Wega
Nery. 14. ed. Rio de Janeiro, RJ: Record, 2009. p. 61.
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