Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sábado, 23 de outubro de 2021

Manoel de Barros - Venho de nobres que empobreceram

“Monumentar” os elementos mais desimportantes que estão à nossa volta: tal é o intento do poeta, ao vislumbrar a magnificência com que Cristo, Francisco de Assis, Vieira, Shakespeare, Chaplin e tantos outros obsequiaram aos objetos de suas respectivas afeições – e, em específico para o seu caso, “monumentar as pobres coisas do chão mijadas de orvalho”.

Somente essa “mania de grandeza”, de soberbia, é que lhe remanesceu, legada de seus ancestrais – nobres que acabaram por empobrecer: ver o grande no pequeno, a magnitude no modesto, o assombroso no delimitado, isto sim configura uma epifania castiça, trazidas à superfície tão apenas por almas longânimes como a do poeta.

J.A.R. – H.C.

 

Manoel de Barros

(1916-2014)

 

Venho de nobres que empobreceram

 

Venho de nobres que empobreceram.

Restou-me por fortuna a soberbia.

Com esta doença de grandezas:

Hei de monumentar os insetos!

(Cristo monumentou a Humildade quando

beijou os pés dos seus discípulos.

São Francisco monumentou as aves.

Vieira, os peixes.

Shakespeare, o Amor, a Dúvida, os tolos.

Charles Chaplin monumentou os vagabundos.)

Com esta mania de grandeza:

Hei de monumentar as pobres coisas do chão

mijadas de orvalho.

 

Orvalho sobre a grama

(Anirban Kar: artista indiano)


Referência:

BARROS, Manoel de. Venho de nobres que empobreceram. In: __________. Livro sobre nada. Ilustrações de Wega Nery. 14. ed. Rio de Janeiro, RJ: Record, 2009. p. 61.

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