Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

terça-feira, 5 de outubro de 2021

Fábio Cavalcante de Andrade - Rosa de ninguém

O poeta e literato pernambucano presta homenagem ao ensaísta, tradutor – e também poeta – Paul Celan (1920 – 1970), titulando o seu poema com similar designativo de uma recolha deste último (“Die Niemandsrose”, 1963), aludindo, de algum modo, ao viés mais hermético e lúgubre de sua poesia, bem assim – em manifesta intertextualidade com os primeiros versos de “A terra desolada”, de T. S. Eliot (1888-1965) – aos contratempos que o levaram ao suicídio, em meados de abril de 1970.

Como se estivesse em frente ao túmulo do poeta no cemitério judeu de Thiais, Paris (FR), portando um exemplar da supracitada obra de Celan, o falante faz tombar versos contritos sobre a sua lápide, deplorando o estado de coisas a denotar olvido com tudo o que se passou ao autor romeno e ao seu legado – uma crônica de dor reverberante, feito “rosa que nunca se abriu”.

J.A.R. – H.C.

 

Fábio Cavalcante de Andrade

(n. 1977)

 

Rosa de ninguém

 

para Paul Celan

 

Cheguei

trazendo na bagagem

este tesouro

de silêncio e pedra contra pedra

 

a lágrima impossível

no fundo deste rio

cristais humanos

no lodo do poço

 

sem esforço

a palavra esquecimento

surge na superfície e reflete

nas escamas teu nome de luz

 

Aqui no túmulo

breu profundo das utopias

mergulha teu anagrama

e nome original, Anczel

que é uma navalha

 

Trinta anos depois

abril continua

o mais terrível dos meses

e tua dor repercute

como esta rosa que nunca abriu.

 

Rosa

(Sina Irani: artista irano-americano)


Referência:

ANDRADE, Fábio Cavalcante de. Rosa de ninguém. In: PEDROSA, Cida; SIQUEIRA, Elizabeth, JAPIASSU, Janice (Orgs.). Coletânea Ladjane Bandeira de Poesia. Recife, PE: Fundação de Cultura Cidade do Recife, 2007). p. 40. (Coleção ‘Ladjane Bandeira de Poesia’; v.2)

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