Talvez no solilóquio mais célebre da história da literatura universal – o de Hamlet na primeira cena do terceiro ato da peça homônima –, Shakespeare põe-se a exigir do ator o máximo de sua memória e loquacidade. Afinal, quem sofre de Alzheimer jamais chegará a bom termo com os giros da fala, mais do que permeada por divagações sobre a vida, a morte e o suicídio!
Se morrer é dormir, dormir talvez sonhar, o falante deve estar ou bem louco ou bem mortificado com o sucedido com seu pai, a ponto de preferir à vida a autodestruição, pois que somente vê dor e miséria a grassar por toda parte: Hamlet acaba por lançar mão de tal ambivalência como expediente necessário à concretização de sua vingança. No fim, resta-lhe o próprio silêncio!
J.A.R. – H.C.
William Shakespeare
Retrato de Coobe de Southampton
(1564-1616)
To Be or Not To Be
(Spoken by Hamlet, Act 3 Scene 1)
To be, or not to be: that is the question:
Whether ’tis nobler in the mind to suffer
The slings and arrows of outrageous fortune,
Or to take arms against a sea of troubles,
And by opposing end them? To die: to sleep;
No more; and by a sleep to say we end
The heart-ache and the thousand natural shocks
That flesh is heir to, ’tis a consummation
Devoutly to be wish’d. To die, to sleep;
To sleep: perchance to dream: ay, there’s the rub;
For in that sleep of death what dreams may come
When we have shuffled off this mortal coil,
Must give us pause: there’s the respect
That makes calamity of so long life;
For who would bear the whips and scorns of time,
The oppressor’s wrong, the proud man’s contumely,
The pangs of despised love, the law’s delay,
The insolence of office and the spurns
That patient merit of the unworthy takes,
When he himself might his quietus make
With a bare bodkin? who would fardels bear,
To grunt and sweat under a weary life,
But that the dread of something after death,
The undiscover’d country from whose bourn
No traveller returns, puzzles the will
And makes us rather bear those ills we have
Than fly to others that we know not of?
Thus conscience does make cowards of us all;
And thus the native hue of resolution
Is sicklied o’er with the pale cast of thought,
And enterprises of great pith and moment
With this regard their currents turn awry,
And lose the name of action. (...)
Autorretrato como o Hamlet de Shakespeare
(Eugène Delacroix: pintor francês)
Ser ou Não Ser
Ser ou não ser, eis a questão. Acaso
É mais nobre a cerviz curvar aos golpes
Da ultrajosa fortuna, ou já lutando
Extenso mar vencer de acerbos males?
Morrer, dormir, não mais. E um sono apenas,
Que as angústias extingue e à carne a herança
Da nossa dor eternamente acaba,
Sim, cabe ao homem suspirar por ele.
Morrer, dormir. Dormir? Sonhar, quem sabe!
Ai, eis a dúvida. Ao perpétuo sono,
Quando o lodo mortal despido houvermos,
Que sonhos hão de vir? Pesá-lo cumpre,
Essa a razão que os lutuosos dias
Alonga do infortúnio. Quem do tempo
Sofrer quisera ultrajes e castigos,
Injúrias da opressão, baldões de orgulho,
Do mal prezado amor choradas mágoas,
Das leis a inércia, dos mandões a afronta,
E o vão desdém que de rasteiras almas
O paciente mérito recebe,
Quem, se na ponta da despida lâmina
Lhe acenara o descanso? Quem ao peso
De uma vida de enfados e misérias
Quereria gemer, se não sentira
Terror de alguma não sabida coisa
Que aguarda o homem para lá da morte,
Esse eterno país misterioso
Donde um viajor sequer há regressado?
Este só pensamento enleia o homem;
Este nos leva a suportar as dores
Já sabidas de nós, em vez de abrirmos
Caminho aos males que o futuro esconde,
E a todos acovarda a consciência.
Assim da reflexão à luz mortiça
A viva cor da decisão desmaia;
E o firme, essencial cometimento,
Que esta ideia abalou, desvia o curso,
Perde-se, até de ação perder o nome. (...)
Referências:
Em Inglês
SHAKESPEARE, William. To be or not to be. Spoken by Hamlet, Act 3 Scene 1. In: __________. Shakespeare’s Hamlet. Edited by Sidney Lamb. Commentary by Terri Mategrano. New York, NY: Hungry Minds, 2000. p. 103. (‘Cliffs Complete’)
Em Português
SHAKESPEARE, William. Ser ou não ser.
Tradução de Machado de Assis. In: ALVES, Afonso Telles (Seleção e Notas). Antologia
de poetas estrangeiros. São Paulo, SP: Logos, out. 1960. p. 39-40.
(“Antologia da Literatura Mundial”; v. 8)
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