A voz lírica, neste poema, fala-nos como devemos nos sentir, quando estamos no uso de um simples garfo, vale dizer, a empregar certa violência, ainda que simbólica, por trás do que, para uma pessoa dita civilizada, tem-se por normal: carnívoros como somos, recorremos a técnicas que, de algum modo, assemelham-se às empregadas por canibais.
Afinal, ao que se pareceria o que o poeta descreve como “grande, calva, careca e cega”? A cabeça de um ser humano já destrinchada por um canibal ancestral, para acudir-lhe como um totem ou algo análogo, enquanto que o resto do corpo, melhor dizendo, a carne, vai direto à mesa, servindo-lhe de alimento – num procedimento que, nos dias que correm, aflora-nos sobremodo repulsivo.
J.A.R. – H.C.
Charles Simic
(n. 1938)
Fork
This strange thing must have crept
Right out of hell.
It resembles a bird’s foot
Worn around the cannibal’s neck.
As you hold it in your hand,
As you stab with it into a piece of meat,
It is possible to imagine the rest of the bird:
Its head which like your fist
Is large, bald, beakless and blind.
Natureza-morta: tarde
(Fred Bell: pintor norte-americano)
Garfo
Esta coisa estranha deve ter-se arrastado
diretamente desde o inferno.
Assemelha-se à pata de um pássaro
Usada à volta do pescoço de um canibal.
Ao segurá-lo na mão,
Enquanto se espeta com ele um pedaço de carne,
É possível imaginar o restante do pássaro:
Sua cabeça, tal como o teu punho,
É grande, calva, sem bico e cega.
Referência:
SIMIC, Charles. Fork. In: MAYES,
Frances. The discovery of poetry: a field guide to Reading and writing
poems. 1st Harvest ed. San Diego, CA: Harvest & Harcout, 2001. p. 133.
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