Experimentando um estado de relaxamento na Piazza Navona, em Roma, o poeta lembra-se de regiões contíguas ao rio Platani, sul da Itália, não muito longe da cidade onde o próprio Quasimodo nascera, nomeadamente Módica, na Sicília: é o tempo de menino que a memória lhe evoca, quando viva ainda era a sua mãe e deliciava-se com a natureza daquelas agrestes paragens.
Percebe-se na elocução do poeta que, apenas naquele sítio de paz, ele consegue apreender alguma serenidade e, porque não, felicidade – não exatamente onde agora se encontra, como que exilado e dedicado a uma vida exaustiva de trabalho –, daí porque empreende “retornos” ao passado, com o objetivo, quem sabe, de alcançar clareza sobre as urgências a que agora está exposto.
Uma pequena e derradeira observação: no segundo verso da primeira estrofe do poema, lê-se “supino” no original, ou seja, em decúbito dorsal – peito para cima –, com as mãos a sustentar a cabeça por baixo da nuca, como se o poeta estivesse contemplando a quietude do céu. Mas a palavra foi vertida a “bruços” no português, decúbito ventral – peito para baixo.
J.A.R. – H.C.
Salvatore Quasimodo
(1901-1968)
I Ritorni
Piazza Navona, a notte, sui sedili
stavo supino in cerca della quiete,
e gli occhi con rette e volute di spirali
univano le stelle,
le stesse che seguivo da bambino
disteso sui ciotoli del Platani
sillabando al buio le preghiere.
Sotto il capo incrociavo le mie mani
e ricordavo i ritorni:
odore di frutta che secca sui graticci,
di violaciocca, di zenzero, di spigo;
quando pensavo di leggerti, ma piano,
(io e te, mamma, in un angolo in penombra)
la parabola del prodigo,
che mi seguiva sempre nei silenzi
come un ritmo che s’apra ad ogni passo
senza volerlo.
Ma ai morti non è dato di tornare,
e non c’è tempo nemmeno per la madre
quando chiama la strada,
e ripartivo, chiuso nella notte
come uno che tema all’alba di restare.
E la strada mi dava le canzoni,
che sanno di grano che gonfia nelle spighe,
del fiore che imbianca gli uliveti
tra l’azzurro del lino e le giunchiglie;
risonanze nei vortici di polvere,
cantilene d’uomini e cigolio di traini
con le lanterne che oscillano sparute
ed hanno appena il chiaro di una lucciola.
In: “Acque e Terre” (1920-1929)
Vista da Piazza Navona - Roma
(Hendrik Frans van Lint: pintor flamengo)
Os Retornos
Praça Navona, de noite, no banco
eu estava de bruços em procura do silêncio,
e os olhos com traços e espirais
uniam as estrelas,
as mesmas que eu seguia quando menino
deitado nas pedras do Platani
silabando no escuro as orações.
Na nuca cruzava as minhas mãos
e recordava os retornos:
odor de fruta que seca nos caniços,
de cachos de violetas, de gengibres, de alfazemas,
quando pensava em ler para ti, devagar,
(eu e tu, mamãe, em um ângulo de penumbra)
a parábola do pródigo,
que me seguia sempre nos silêncios
como um ritmo que se abre a cada passo
sem querer.
Mas aos mortos não é permitido retomar,
e não existe tempo nem mesmo para a mãe
quando a estrada chama;
e eu tornava a partir, fechado na noite
como um que tema de ficar ao amanhecer.
E a estrada me dava as canções
que sabem de grão que se robustece nas espigas,
de flor que empalidece os olivais
entre o azul do linho e os junquilhos;
ressonâncias nos vórtices de pó,
cantilenas de homens e chiados de trenós
com as lanternas que oscilam desmaiadas
e têm apenas a luz do vagalume.
Em: “Águas e Terras” (1920-1929)
Referências:
Em Italiano
QUASIMODO, Salvatore. I ritorni. In: __________. Poesie e discorsi sulla poesia. A cura di Gilberto Finzi. 14. ed. Milano, IT: Mondadori, 2005. p. 31.
Em Português
QUASIMODO, Salvatore. Os retornos. In:
__________. Poesias escolhidas. Tradução de Sílvio Castro. Rio de
Janeiro, RJ: Opera Mundi, 1971. p. 61-62. (Biblioteca dos Prêmios Nobel de
Literatura patrocinada pela Academia Sueca e pela Fundação Nobel; Prêmio de
1959: Salvatore Quasimodo, Itália)
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