Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sexta-feira, 1 de outubro de 2021

Hugh MacDiarmid - Cristais Parecidos a Sangue

Numa elegia a retratar o falante sobre a tumba de uma pessoa não precisamente identificada – seria a sua falecida esposa? –, dela memorando os momentos compartilhados, tem-se o mercúrio como elemento a engendrar as conexões necessárias entre a realidade à volta e as emoções que lhe emergem ao espírito, como insuspeitadas e “brilhantes torrentes de felicidade, naturalidade e fé”.

Consigne-se que o poeta escocês, no desenrolar do poema, confronta o processo de extração do mercúrio líquido, do minério de cinabre, ao processo mesmo por meio do qual a memória se põe a ascender à consciência, todos os demais encadeamentos a contrastar elementos vitais a outros inertes, pondo em embate, de um lado, a dinâmica das humanas emoções, e de outro, a fria estática da máquina do mundo.

J.A.R. – H.C.

 

Hugh MacDiarmid

(1892-1978)

 

Crystals Like Blood

 

I remember how, long ago, I found

Crystals like blood in a broken stone.

 

I picked up a broken chunk of bed-rock

And turned it this way and that,

It was heavier than one would have expected

From its size. One face was caked

With brown limestone. But the rest

Was a hard greenish-grey quartz-like stone

Faintly dappled with darker shadows,

And in this quartz ran veins and beads

Of bright magenta.

 

And I remember how later on I saw

How mercury is extracted from cinnebar

– The double ring of iron piledrivers

Like the multiple legs of a fantastically symmetrical spider

Rising and falling with monotonous precision,

Marching round in an endless circle

And pounding up and down with a tireless,

thunderous force,

While, beyond, another conveyor drew

the crumbled ore

From the bottom and raised it to an opening high

In the side of a gigantic grey-white kiln.

 

So I remember how mercury is got

When I contrast my living memory of you

And your dear body rotting here in the clay

– And feel once again released in me

The bright torrents of felicity, naturalness, and faith

My treadmill memory draws from you yet.

 

Círculo mágico: bruxa junto ao caldeirão

(John William Waterhouse: pintor inglês)

 

Cristais Parecidos a Sangue

 

Recordo-me como, há bastante tempo, encontrei

Cristais parecidos a sangue num fragmento de pedra.

 

Peguei uma lasca partida do leito da rocha

E a virei para um lado e para o outro.

Era mais pesada do que se poderia esperar

Pelo seu tamanho. Um dos flancos estava coberto

Por um calcário pardo. Mas o resto era

Uma pedra dura parecida com quartzo cinza-esverdeado

Ligeiramente matizada com sombras mais escuras,

E nesse quartzo corriam veios e contas

De magenta brilhante.

 

E lembro-me como vi mais tarde

A forma por meio da qual se extrai o mercúrio do cinabre –

O duplo anel do bate-estacas de ferro

Como as múltiplas pernas de uma aranha

fantasticamente simétrica

Subindo e descendo com uma monótona precisão,

Em marcha por um círculo sem fim

A golpear para cima e para baixo com uma força

incansável e estrondosa,

Enquanto, mais além, outro transportador puxava

o minério triturado

Do fundo e o elevava por uma abertura alta

Na lateral de um gigantesco forno cinza-esbranquiçado.

 

Assim, recordo-me de como se obtém o mercúrio

Quando contrasto minha viva memória de ti

E teu querido corpo decompondo-se aqui no barro

– E sinto mais uma vez liberadas em mim

As brilhantes torrentes de felicidade, naturalidade e fé

Que minha memória monocórdia de ti ainda extrai.


Referência:

MACDIARMID, Hugh. Crystals like blood. In: MAYES, Frances. The discovery of poetry: a field guide to Reading and writing poems. 1st Harvest ed. San Diego, CA: Harvest & Harcout, 2001. p. 49-50.

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