Numa elegia a retratar o falante sobre a tumba de uma pessoa não precisamente identificada – seria a sua falecida esposa? –, dela memorando os momentos compartilhados, tem-se o mercúrio como elemento a engendrar as conexões necessárias entre a realidade à volta e as emoções que lhe emergem ao espírito, como insuspeitadas e “brilhantes torrentes de felicidade, naturalidade e fé”.
Consigne-se que o poeta escocês, no desenrolar do poema, confronta o processo de extração do mercúrio líquido, do minério de cinabre, ao processo mesmo por meio do qual a memória se põe a ascender à consciência, todos os demais encadeamentos a contrastar elementos vitais a outros inertes, pondo em embate, de um lado, a dinâmica das humanas emoções, e de outro, a fria estática da máquina do mundo.
J.A.R. – H.C.
Hugh MacDiarmid
(1892-1978)
Crystals Like Blood
I remember how, long ago, I found
Crystals like blood in a broken stone.
I picked up a broken chunk of bed-rock
And turned it this way and that,
It was heavier than one would have expected
From its size. One face was caked
With brown limestone. But the rest
Was a hard greenish-grey quartz-like stone
Faintly dappled with darker shadows,
And in this quartz ran veins and beads
Of bright magenta.
And I remember how later on I saw
How mercury is extracted from cinnebar
– The double ring of iron piledrivers
Like the multiple legs of a fantastically
symmetrical spider
Rising and falling with monotonous precision,
Marching round in an endless circle
And pounding up and down with a tireless,
thunderous force,
While, beyond, another conveyor drew
the crumbled ore
From the bottom and raised it to an opening high
In the side of a gigantic grey-white kiln.
So I remember how mercury is got
When I contrast my living memory of you
And your dear body rotting here in the clay
– And feel once again released in me
The bright torrents of felicity, naturalness, and
faith
My treadmill memory draws from you yet.
Círculo mágico: bruxa junto ao caldeirão
(John William Waterhouse: pintor inglês)
Cristais Parecidos a Sangue
Recordo-me como, há bastante tempo, encontrei
Cristais parecidos a sangue num fragmento de pedra.
Peguei uma lasca partida do leito da rocha
E a virei para um lado e para o outro.
Era mais pesada do que se poderia esperar
Pelo seu tamanho. Um dos flancos estava coberto
Por um calcário pardo. Mas o resto era
Uma pedra dura parecida com quartzo
cinza-esverdeado
Ligeiramente matizada com sombras mais escuras,
E nesse quartzo corriam veios e contas
De magenta brilhante.
E lembro-me como vi mais tarde
A forma por meio da qual se extrai o mercúrio do
cinabre –
O duplo anel do bate-estacas de ferro
Como as múltiplas pernas de uma aranha
fantasticamente simétrica
Subindo e descendo com uma monótona precisão,
Em marcha por um círculo sem fim
A golpear para cima e para baixo com uma força
incansável e estrondosa,
Enquanto, mais além, outro transportador puxava
o minério triturado
Do fundo e o elevava por uma abertura alta
Na lateral de um gigantesco forno
cinza-esbranquiçado.
Assim, recordo-me de como se obtém o mercúrio
Quando contrasto minha viva memória de ti
E teu querido corpo decompondo-se aqui no barro
– E sinto mais uma vez liberadas em mim
As brilhantes torrentes de felicidade, naturalidade
e fé
Que minha memória monocórdia de ti ainda extrai.
Referência:
MACDIARMID, Hugh. Crystals like blood. In:
MAYES, Frances. The discovery of poetry: a field guide to Reading and
writing poems. 1st Harvest ed. San Diego, CA: Harvest & Harcout, 2001. p. 49-50.
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