Mais que uma construção, uma vivenda para abrigar os residentes, a casa é um lar a hospedar as histórias das gerações nela domiciliadas, vale dizer, não só a daquela que ali vive no momento, como também a dos que já partiram e a dos que não vieram, deixando de se integrar às suas reminiscências, sejam elas boas ou infaustas.
A casa, em sua imobilidade – paredes, espaços, mobiliário, decoração –, encontra-se entranhada na alma do falante, convertida em ponto para onde convergem todas as linhas de força dos seus sempre mais numerosos habitantes, fazendo-lhe sangrar por dentro – pois que, como se diz naquela melodia, herdamos do sangue lusitano uma boa dosagem de lirismo, e o coração, ao fechar os olhos, acaba por, sinceramente, deixar fluir seu pranto!
J.A.R. – H.C.
Ruy Espinheira Filho
(n. 1942)
Notícia da casa
A casa não se descreve:
sente-se. Aqui permanecem
todos: dos que não vieram
àqueles que já partiram.
Na casa jamais se apaga
a luz com que me fitaste
(porém em ti, não: em ti
era só vidro, quebrou-se).
A casa se arquiteta
a si mesma, cada vez
mais habitada, enquanto
sangro paredes e espaços.
E cresce. Até não deixar
sinal no meu peito imóvel.
Em: “Julgado do vento” (1979)
Ensaio teatral na casa
de um poeta da Roma antiga
(Gustave Boulanger: pintor francês)
Referência:
ESPINHEIRA FILHO, Ruy. Notícia da casa.
In: MORAIS, José (Org.). Imagens da casa: antologia poética. Itabirito,
MG: Nanaseiro Editorial, 2019. p. 155.
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