O interessante neste poema do poeta amazonense é a antítese que se cria entre o título que lhe foi atribuído – a veicular a ideia de algo deveras tangível, palpável, concreto em sua existência –, e o sentido de suas linhas, a contemplar o vazio não exatamente caracterizável, uma vez que insinuado por conjecturas e sintetizado em seu derradeiro verso: “O que tu tens, não tens”.
E esse vazio – a falta, a ausência, a privação, o vácuo – é toda a substância da dor que lateja pelo avesso no ente a que se refere o falante, levando-o a alimentar-se da própria fome, tornando-lhe a vida algo insubsistente, um invólucro, o continente onde talvez falte o principal de todos os conteúdos: a poção do amor.
J.A.R. – H.C.
Thiago de Mello
(n. 1926)
Poema Concreto
O que tu tens e queres
saber (porque te dói),
não tem nome. Só tem
(mas vazio) o lugar
que abriu em tua vida
a sua própria falta.
A dor te dói pelo avesso,
perdida nos teus escuros.
É como alguém que come
não o pão, mas a fome.
Sofres de não saber
o que não tens e falta
num lugar que nem sabes,
mas que é na tua vida,
quem sabe é em teu amor.
O que tu tens, não tens.
Melancolia
(Edgar Degas: pintor francês)
Referência:
MELLO, Thiago. Poema concreto. In:
__________. Faz escuro mas eu canto porque a manhã vai chegar. 10 ed.
Rio de Janeiro, RJ: Civilização Brasileira, 1985. p. 63. (Coleção ‘Vera Cruz’ –
Literatura Brasileira; v. 96)
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