O poeta lusitano recorre ao longo caudal da história portuguesa para, de lá, extrair os sentidos ao seu próprio devir e ao de seus pares: para um mundo no qual o inesperado sempre assoma feito um Cabo Bojador, requerem-se todos os instrumentos de navegação cabíveis como recurso para não se pôr à deriva, tendo em mira o cais onde se deseja aportar.
Ir além do fim do mundo, contornando o Bojador; confrontar Tormentas, convertendo-as em Boa Esperança; eis o sentido para a realização dos nossos mais íntimos sonhos: porque a vida é partida e movimento, aventura que se pretende vitoriosa, mesmo à custa de grandes riscos – e não há conquistas relevantes sem que nos disponhamos a dar contorno aos inevitáveis monstros marinhos, reais ou imaginários, que nos vêm atravancar a rota!
J.A.R. – H.C.
Manuel Alegre
(n. 1936)
Dai-nos de novo o Astrolábio e o
Quadrante
Dais-nos de novo o Astrolábio e o Quadrante
Velas ao vento venha a partida
Há sempre um Bojador perto e distante
Nosso destino é navegar para diante
Dobrar o Cabo dobrar a vida
Dai-nos de novo a rosa e o compasso
A carta a bússola o roteiro a esfera
Algures dentro de nós há outro espaço
Chegaremos ainda a outro lado
Lá onde só se espera
O inesperado.
Em: “O Canto e as Armas” (Canto II)
(1967)
Alegoria de navegação
com um astrolábio: Ptolomeu
(Paolo Veronese: pintor italiano)
Referência:
ALEGRE, Manuel. Dai-nos de novo o
astrolábio e o quadrante. In: CASTRO, Mario Morales (Organización e Traducción).
Anotología breve de la poesía portuguesa del siglo XX. Edición bilingüe:
Portugués x Español. 1. ed. México, DF: Instituto Politécnico Nacional, 1998. p.
328.
Saúdo Manuel Alegre! E abraço esse poema, joia encontrada por J. A. Rodrigues, crítico sensível, leitor e pesquisador dos mais antenados. É bom saber que temos, ainda, poetas dessa qualidade, como novos reinos encantados a serem descobertos! Atravessemos o Cabo das Tormentas com Manuel Alegre. Sua poesia é instrumento de navegação que J. A. Rodrigues, no seu blog genial, nos oferece. Estamos diante de um poeta de grandes costados, que atravessa o mar com braçadas de versos, pelas mãos generosas do criador desse blog. Viva Manuel Alegre e sua lição de poesia! Viva J. A. Rodrigues, atento e sensível. Posso dizer: Meu sábado está salvo. (Geraldo Reis: O SER SENSÍVEL - Belo Horizonte, 02 de outubro de 2021).
ResponderExcluirPrezado Geraldo,
ExcluirQuanto ao político e escritor português, de tudo quanto tenho visto em termos de sua lírica, persiste-me a convicção de ser alguém autêntico, ou melhor, de um poeta que, como já o disse em certas linhas – que aqui as transcrevo num discurso livre –, faz rimar os versos dos poemas com a sua própria vida, vale dizer, uma vida vivida a par da própria história portuguesa recente.
Neste ensejo, muito lhe agradeço pelo comentário.
Um abraço,
João A. Rodrigues
Geraldo Reis, poeta-menor, visitando de novo o seu blog e se deliciando com as suas postagens. A visita que faço, depois de um rápido café da manhã, é feita como se abrisse um livro predileto, livro de cabeceira, com a surpresa de novas emoções. Sinto-me tentado a deixar um comentário e, se não o faço é porque me faltam "engenho e arte"; afinal, não sou mais do que um "irmão das águas, irmão menor de todos os rios do mundo." (GR, in JOGAR BRIGDE). Um abraço poético.
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