Trata-se, neste poema, de um invectiva de um famoso e perseguido poeta – poderia ser o próprio Brecht – à queima de livros pelos nazistas: queimar as palavras de um escritor equivaleria a queimá-lo vivo na fogueira, o infactível destino dos que se abraçam à verdade, quando caem em mãos dos fascistas, pois que estes, para combater o que veraz e fidedigno à realidade, ou mesmo à ciência, preferem veicular as suas mentiras – em tempos modernos, as suas “fake news”, a exemplo daquelas que enchem os grupos do WhatsApp com a sua versão deturpada e estelionatária dos fatos, emitidas por aqueles que, por ora, degradantemente exercem o poder pátrio e os seus asseclas.
Indigna-se, assim, o falante por seus livros não terem sido queimados pelo regime nazista – evento efetivamente ocorrido em 10.5.1933 –, mas que, pelas circunstâncias, preferiria mesmo é que houvessem sido lançados à pira, considerando que, decerto, tal fora a sorte das obras infensas à daninha ideologia de plantão.
O pior é que tais ímprobos dizem amparar-se em dispositivo constitucional de um Estado Democrático de Direito contra o qual, de fato, atentam – a livre manifestação do pensamento (art. 5º, IV) –, ao abrigo de onde se escondem para denegrir a verdade, veicular suas mentiras e ultrajar a honra de seus legítimos opositores, tudo isso buscando o mais absoluto anonimato, em clara ofensa – óbvio! – à parte do aludido dispositivo que não lhes interessa cumprir!
J.A.R. – H.C.
Bertolt Brecht
(1898-1956)
Die Bücherverbrennung
Als das Regime befahl, Bücher mit schädlichem
Wissen
Öffentlich zu verbrennen, und allenthalben
Ochsen gezwungen wurden, Karren mit Büchern
Zu den Scheiterhaufen zu ziehen, entdeckte
Ein verjagter Dichter, einer der besten, die Liste
der
Verbrannten studierend, entsetzt, daß seine
Bücher vergessen waren. Er eilte zum Schreibtisch
Zornbeflügelt, und schrieb einen Brief an die
Machthaber.
Verbrennt mich! schrieb er mit
fliegender Feder, verbrennt mich!
Tut mir das nicht an! Laßt mich nicht
übrig! Habe ich nicht
Immer die Wahrheit berichtet in meinen
Büchern? Und jetzt
Werd ich von euch wie ein Lügner
behandelt! Ich befehle euch:
Verbrennt mich!
São Domingos e a queima dos livros heréticos
(Domenico Beccafumi: pintor italianos)
A Queima de Livros
Quando o regime ordenou que fossem queimados publicamente
Os livros que continham saber pernicioso, e em toda
parte
Fizeram bois arrastarem carros de livros
Para as pilhas em fogo, um poeta perseguido,
Um dos melhores, estudando a lista dos livros
queimados
Descobriu, horrorizado, que os seus
Haviam sido esquecidos. A cólera o fez correr
Célere até sua mesa, e escrever uma carta aos donos
do poder.
Queimem-me! Escreveu com pena
veloz. Queimem-me!
Não me façam uma coisa dessas! Não me
deixem de lado! Eu não
Relatei sempre a verdade em meus livros?
E agora tratam-me
Como um mentiroso! Eu lhes ordeno:
Queimem-me!
Referências:
Em Alemão
BRECHT, Bertolt. Die bücherverbrennung. Disponível neste enderço. Acesso em: 30 mai. 2021.
Em Português
BRECHT, Bertolt. A queima de livros.
Tradução de Paulo César de Souza. In: __________. Poemas: 1913-1956. 5.
ed. Seleção e tradução de Paulo César de Souza. São Paulo, SP: Editora 34,
2000. p. 192.
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