Um carro preto em alta velocidade carrega uma leva de literatos para além da curva do ser (interprete-se, os umbrais da morte) – a exemplo do poeta nicaraguense Beltrán Morales (1945-1986), do chileno Juan Luis Martínez (1942-1993) e do escritor norte-americano Philip K. Dick (1928-1982) –, e o poeta vislumbra a sua própria partida, ao adentrar a esplanada onde presume-se mover o aludido automóvel.
Terá sido um sonho ou, de fato, um pressentimento que veio ao autor em estado de plena consciência? O fato é que Bolaño faleceu muito prematuramente, aos cinquenta anos, deixando-nos, seja como for, uma obra meritória, especialmente no domínio do romance, com destaque para “Os detetives selvagens” (1998) e “2666” (2004).
J.A.R. – H.C.
Roberto Bolaño
(1953-2003)
Bólido
El automóvil negro desaparece
en la curva del ser. Yo
aparezco en la explanada:
todos van a fallecer, dice el viejo
que se apoya en la fachada.
No me cuentes más historias:
mi camino es el camino
de la nieve, no del parecer
más alto, más guapo, mejor.
Murió Beltrán Morales,
o eso dicen, murió
Juan Luis Martínez,
Rodrigo Lira se suicidó.
Murió Philip K. Dick
y ya sólo necesitamos
lo estrictamente necesario.
Ven, métete en mi cama.
Acariciémonos toda la noche
del ser y de su negro coche.
Porsche 356
(Yuriy Shevchuk: artista ucraniano)
Bólido
O automóvel preto desaparece
na curva do ser. Eu
apareço na esplanada:
todos hão de morrer, diz o velho
encostado à fachada.
Não me contes mais histórias:
meu caminho é o caminho
da neve, não o de parecer
mais alto, mais bonito, melhor.
Beltrán Morales morreu,
ou assim o dizem,
Juan Luis Martínez morreu,
Rodrigo Lira suicidou-se.
Philip K. Dick morreu
e agora só necessitamos
do que é estritamente necessário.
Vem, mete-te em minha cama.
Acariciemo-nos toda a noite
do ser e de seu carro preto.
Referência:
BOLAÑO, Roberto. Bólido. In:
__________. Poesía reunida. Prólogo de Manuel Vilas. 1. ed. Madrid, ES: Alfaguara,
2018. p. 617.
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