Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

terça-feira, 1 de junho de 2021

Gastão Cruz - Não penses nas canções da primavera

Seguindo o conselho de John Keats (1795-1821), poeta inglês, o autor português dedica-se a entrar em sintonia não com as canções da primavera, senão com as de outono, muito certamente centradas na metáfora de uma vida que declina, quando os corpos já se encontram “demasiado consumidos” e o que resta é alegria e beleza a fenecerem sob um substrato da melancolia.

Revelam-se tanto mais surpreendentes os versos de Keats, quanto mais se pondera que o poeta faleceu em Roma (IT) ainda muito jovem, isto é, a contar 26 anos, momento da vida bem aquém de seu apogeu – mas que não lhe impediu de conceber, com a expressividade do gênio de que dotado, alguns dos poemas mais célebres da literatura inglesa.

J.A.R. – H.C.

 

Gastão Cruz

(n. 1941)

 

Não penses nas canções da primavera

 

Where are the songs of Spring? Ay, where are they?

Think not of them, thou hast thy music too.

(Keats, ‘To Autumn’)

 

Não penses nas canções da primavera que

duraram o tempo que deviam

é do outono o som destas planícies

destes corpos talvez demasiado

consumidos

 

Ouve os frutos da música é o tempo

de nebulosos frutos

cede às livres tempestades

do vento à

alegria que te magoa os lábios

 

Não penses nas canções da primavera na

beleza que morre

no veneno da terra

consumirás ainda a parte do teu corpo

mais tardia

 

A beleza que deve então

morrer

dentro da alegria escolherá

ruína terra som melancolia

 

Em: “Teoria da Fala” (1972)

 

Canção de Primavera

(John William Waterhouse: pintor inglês)


Referência:

CRUZ, Gastão. Não penses nas canções da primavera. In: __________. Poesia: 1961-1981. Com três desenhos de Manuel Baptista. Porto, PT: O Oiro do Dia, fev. 1983. p. 121-122. (Colecção ‘Obscuro Domínio’; v. 3)

 

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