Seguindo o conselho de John Keats (1795-1821), poeta inglês, o autor português dedica-se a entrar em sintonia não com as canções da primavera, senão com as de outono, muito certamente centradas na metáfora de uma vida que declina, quando os corpos já se encontram “demasiado consumidos” e o que resta é alegria e beleza a fenecerem sob um substrato da melancolia.
Revelam-se tanto mais surpreendentes os versos de Keats, quanto mais se pondera que o poeta faleceu em Roma (IT) ainda muito jovem, isto é, a contar 26 anos, momento da vida bem aquém de seu apogeu – mas que não lhe impediu de conceber, com a expressividade do gênio de que dotado, alguns dos poemas mais célebres da literatura inglesa.
J.A.R. – H.C.
Gastão Cruz
(n. 1941)
Não penses nas canções da primavera
Where are the songs of Spring? Ay,
where are they?
Think not of them, thou hast thy music
too.
(Keats, ‘To Autumn’)
Não penses nas canções da primavera que
duraram o tempo que deviam
é do outono o som destas planícies
destes corpos talvez demasiado
consumidos
Ouve os frutos da música é o tempo
de nebulosos frutos
cede às livres tempestades
do vento à
alegria que te magoa os lábios
Não penses nas canções da primavera na
beleza que morre
no veneno da terra
consumirás ainda a parte do teu corpo
mais tardia
A beleza que deve então
morrer
dentro da alegria escolherá
ruína terra som melancolia
Em: “Teoria da Fala” (1972)
Canção de Primavera
(John William Waterhouse: pintor inglês)
Referência:
CRUZ, Gastão. Não penses nas canções da
primavera. In: __________. Poesia: 1961-1981. Com três desenhos de
Manuel Baptista. Porto, PT: O Oiro do Dia, fev. 1983. p. 121-122. (Colecção
‘Obscuro Domínio’; v. 3)
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