Aparentemente, o poeta tenta convencer alguém sobre um fato difícil de se acreditar – a menos que a natureza tenha gerado uma criatura fora dos padrões corporais normais daqueles de sua espécie –, a saber, um cão com seis patas: não importa se o destinatário da mensagem não tenha visto o anômalo animal, pois o que se nos apresenta é uma prova testemunhal do falante.
E como se costuma afirmar na área judicial, a prova testemunhal é a mais “prostituta” das provas, pois, obviamente, inverdades sem conta são propaladas por muitos (ou muitas) cujas palavras não possuem o mínimo de insuspeição ou idoneidade. Tal seria o caso do ente lírico? (rs)
Mas se, de fato, há um animal a apresentar a aludida deformidade, pode-se tomar a feira como o ‘locus’ de uma espécie de “circo de horrores”, levando-nos a recordar as cenas excruciantes envolvendo John Merrick – personagem do ator John Hurt (1940-2017), a representar o inglês Joseph Merrick (1862-1890) –, na película “O Homem Elefante” (1980), do cineasta David Lynch.
Nesse caso, o sentido do poema inflete para um propósito ainda mais nobre: tornar patente a nossa real indiferença diante de situações merecedoras de maior desvelo, e não um mero olhar compadecido, por vezes acompanhado de risos trocistas – abertos ou comedidos –, logo se passando a outros assuntos.
J.A.R. – H.C.
Charles Simic
(n. 1938)
Country Fair
for Hayden Carruth
If you didn’t see the six-legged dog,
It doesn’t matter.
We did, and he mostly lay in the corner.
As for the extra legs,
One got used to them quickly
And thought of other things.
Like, what a cold, dark night
To be out at the fair.
Then the keeper threw a stick
And the dog went after it
On four legs, the other two flapping behind,
Which made one girl shriek with laughter.
She was drunk and so was the man
Who kept kissing her neck.
The dog got the stick and looked back at us.
And that was the whole show.
Feira Rural
(Adolphe Eugène G. Roehn: pintor francês)
Feira Campestre
para Hayden Carruth
Se não viste o cão de seis patas,
Não importa.
Nós o vimos, e quase sempre deitado a um canto.
Quanto às patas extras,
A gente se acostumava rapidamente
E pensava em outras coisas.
Como, que noite tão fria e escura
Para se estar na feira.
Então o tratador atirou um graveto
E o cão foi atrás dele
Sobre quatro patas, as outras duas bulindo atrás,
O que levou uma garota a guinchar de tanto rir.
Ela estava bêbada, assim como o homem
Que insistia em beijar-lhe o colo.
O cão pegou o graveto e olhou para nós.
E esse foi todo o espetáculo.
Referência:
SIMIC,
Charles. Country fair. In: PINSKY, Robert (Guest Edtior); LEHMAN, David (Series
Editor). The best of the best american poetry. 25th anniversary edition. 1st Scribner edition. New York, NY: Scribner
Poetry, apr. 2013. p. 206.
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