Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

segunda-feira, 24 de maio de 2021

Gerard Manley Hopkins - Desperto e sinto o assento da treva

Hopkins revela neste soneto a intenção de compreender o papel que Deus exerce em sua vida, ele que, como qualquer humano, questiona a sua fé, mesmo pertencendo à Companhia de Jesus – o que, sob uma mirada externa, talvez suscitasse alguma perplexidade: apelos sem resposta deixam-no prostrado e num estado depressivo.

O falante conclui, de todo modo, que, acreditando em Deus, encontra-se em situação melhor que a daqueles que não o conhecem ou o recusam. Afinal, colhe-se o que se planta, e na visão de Hopkins, para os “perdidos” não há chances de redenção, motivo por que persistirão sob o metafórico manto da escuridão e do desterro.

J.A.R. – H.C.

 

Gerard Manley Hopkins

(1844-1889)

 

I wake and feel the fell of dark

 

I wake and feel the fell of dark, not day.

What hours, O what black hours we have spent

This night! what sights you, heart, saw; ways you went!

And more must, in yet longer light’s delay.

With witness I speak this. But where I say

Hours I mean years, mean life. And my lament

Is cries countless, cries like dead letters sent

To dearest him that lives alas! away.

 

I am gall, I am heartburn. God's most deep decree

Bitter would have me taste: my taste was me;

Bones built in me, flesh filled, blood brimmed the curse.

Selfyeast of spirit a dull dough sours. I see

The lost are like this, and their scourge to be

As I am mine, their sweating selves; but worse.

 

Honfleur

(Claude Monet: pintor francês)

 

Desperto e sinto o assento da treva

 

Desperto e sinto o assento da treva, não dia.

Que horas, que horas negras esta noite sentiu,

Coração! que prantos viu, e que vias seguiu!

Mais deve devir, que a luz é mais, mais tardia.

Falo com testemunha. E as horas que eu dizia

Valem anos, valem vida. Meu clamor frio

É grito sem conta, carta morta de envio

Ao ele-amor que está, ai!, onde nunca o veria.

 

Sou fel, sou ácido-azia. Por Deus foi posto

Que tudo me seria amargo: eu era o gosto;

Carne-osso e sangue me trazem o mal maior.

Meu ser-fermento a má massa azeda. Meu rosto

Vê que os perdidos são assim, seu flagelo imposto

É como o meu, seu ser que sua; mas pior.


Referência:

HOPKINS, Gerald Manley. I wake and feel the fell of dark / Desperto e sinto o assento da treva. Tradução de Luís Gonçales Bueno de Camargo. In: CAMARGO, Luís Gonçales Bueno de. Tradução comentada da poesia e da prosa de Gerard Manley Hopkins. Campinas, SP: Unicamp – Instituto de Estudos da Linguagem, 1993. Em inglês: p. 150; em português: p. 151. (Dissertação de Mestrado). Disponível neste endereço. Acesso em: 25 mar. 2021.

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