Alpes Literários

Alpes Literários

Subtítulo

UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sábado, 8 de maio de 2021

Augusto Frederico Schmidt - Poema

Um belo e elegíaco manifesto do poeta à sua amada, antes que se afastem desta vida quaisquer vestígios seus, desvanecidos pela fragilidade da memória e pelo corrosivo efeito do tempo: muito se parece o teor deste poema de Schmidt ao soneto “A Carolina”, por meio do qual o escritor Machado de Assis se despede de sua companheira de longa data.

Difícil é aceitar a partida do(a) companheiro(a) de vida mais afim – amante, confidente e melhor amigo(a): atenuar a dor de uma perda nem sempre resulta natural ou inexorável, pois que o fato nos impacta física, emocional, cognitiva, social e espiritualmente. Nada melhor, portanto, que homenagear o(a) finado(a) parceiro(a) com um poema a recordar-lhe os atributos e o seu legado – como o faz Schmidt.

J.A.R. – H.C.

 

Augusto Frederico Schmidt

(1906-1965)

 

Poema

 

Antes do esquecimento, antes que o tempo sufoque as

últimas resistências da lembrança,

Antes que o meu ser acompanhe o teu ser na viagem para

o eterno silêncio.

Antes que a mão que escreve estas linhas

Seja imobilizada pelo mesmo frio que matou tuas mãos

maravilhosas,

Antes que a minha cabeça e o meu coração

Se debrucem sobre o sono sem termo que guarda.

Aceita, ó amada, que te recorde ainda um instante.

Que eu procure fixar a tua longínqua expressão

Nestes pobres versos frágeis, que não resistirão ao tumulto

do tempo tão adverso;

Deixa que eu console a minha ingênua esperança

De que a tua imagem fará animar estas linhas

Da chama da tua graça desaparecida!

Ó flor, ó rosa tímida, de que o frio secou as débeis pétalas.

Deixa, antes do esquecimento, que eu reveja o teu sorriso,

O teu sorriso de outono e de lágrimas;

Deixa que eu procure fazer vibrar, no indiferente silêncio,

A música da tua voz, da tua voz de segredo.

De vento noturno nos distantes jardins.

Da tua voz de medo e de impossível carinho;

Deixa que eu faça brilhar ao Sol deste dia os teus pobres

cabelos escondidos,

Com a mesma vida que os animava, que os iluminava

outrora!

Deixa que eu procure evocar os teus gestos, o teu ritmo

inconfundível,

A música misteriosa dos teus movimentos,

Ó flor tão breve aberta e desfolhada!

Deixa que eu tente fazer sorrir o teu sorriso,

E viver ainda o teu olhar, um momento,

Um momento antes do grande esquecimento.

Antes do derradeiro esquecimento!

 

Em: “Estrela Solitária” (1940)

 

Um beijo de boa-noite

(Jeff Rowland: artista inglês)


Referência:

SCHMIDT, Augusto Frederico. Poema. In: COUTINHO, Frederico dos Reys (Seleção, Prefácio e Notas). As mais belas poesias brasileiras de amor. 5. ed. Rio de Janeiro, RJ: Casa Editora Vecchi Ltda., 1956. p. 218-219.

Nenhum comentário:

Postar um comentário