Um modo de ser e de amar radical – na melhor das hipóteses, intrépido –, a confrontar os umbrais da morte. E isto mesmo a par de todo o resto apresentar-se perfeito, ainda que manifestamente inútil, estando a própria vida a ficar-lhe aquém. Nesse paradigma surreal, quer o falante desfazer-se imerso num espelho d’água, feito uma pedra!
Os estados d’alma do enunciador aparenta certa similitude com traços desafiadores encontráveis em Fernando Pessoa, como nesta passagem de Álvaro de Campos, em “Afinal, a melhor maneira de viajar é sentir”: “E toda a realidade é um excesso, uma violência, / Uma alucinação extraordinariamente nítida / Que vivemos todos em comum com a fúria das almas, / O centro para onde tendem as estranhas forças centrífugas / Que são as psiques humanas no seu acordo de sentidos”.
J.A.R. – H.C.
Paul Éluard
(1895-1952)
Être
Le front comme un drapeau perdu
Je te traîne quand je suis seul
Dans des rues froides
Des chambres noires
En criant misère
Je ne veux pas les lâcher
Tes mains claires et compliquées
Nées dans le miroir clos des miennes
Tout le reste est parfait
Tout le reste est encore plus inutile
Que la vie
Creuse la terre sous ton ombre
Une nappe d’eau près des seins
Où se noyer
Comme une pierre
1936
Natasha
(Paul Herman: pintor norte-americano)
Ser
A fronte como um estandarte à deriva
Arrasto-te quando sozinho estou
Ao longo de ruas friorentas
De quartos escuros
A chorar miséria
Não quero soltar
Tuas mãos claras e complicadas
Nascidas no selado espelho das minhas
Todo o resto é perfeito
Todo o resto é ainda mais inútil
Que a vida
Escava a terra sob tua sombra
Um lençol d’água à altura do peito
Onde se afogar
Como uma pedra
1936
Referência:
ÉLUARD, Paul. Être. In: __________. Selected
poems of Paul Éluard. A bilingual edition: French x English. Selected and
translated by Gilbert Bowen. Introduction by Max Adereth. 1st publ. London, EN:
John Calder Publishers Ltd.; New York, NY: Riverrun Press Inc., 1987. p. 42.
Nenhum comentário:
Postar um comentário