Com um arranjo tipográfico de versos livres e sem rima – inovador para a época –, Rimbaud imprime ao poema parágrafos que não necessariamente correspondem a sinais de pontuação – os quais passam a se subentender. Nas estrofes, alteram-se as imagens capturadas: (i) o movimento célere impingido pelos meios de produção de energia e de transporte modernos, como embarcações e navios; (ii) os avanços tecnológicos advindos com os logros científicos, permitindo um fluxo sempre maior de viajantes pelo mundo; (iii) as descobertas de tudo quanto represente o não sabido e o inaudito, trazidos à luz pela força de percucientes estudos; e (iv) a mirada de um observador coletivo, por quem tais imagens são apreciadas e ponderadas.
A torrente da vida se acelerou vertiginosamente na sucessão dos séculos, sobretudo nos mais recentes, mercê das exaustivas inovações impostas pelo capitalismo dominante. O leitor poderá contrastar tais mutações comparando os textos, v.g., de “A lentidão”, de Milan Kundera, e de “Muito além da velocidade da luz”, de Marc Seifer – ainda que estejam em distintos domínios, este no científico e aquele no literário-filosófico.
J.A.R. – H.C.
Arthur Rimbaud
(1854-1891)
Mouvement
Le mouvement de lacet sur la berge des chutes du
fleuve,
Le gouffre à l’étambot,
La célérité de la rampe,
L’énorme passade du courant,
Mènent par les lumières inouïes
Et la nouveauté chimique
Les voyageurs entourées des trombes du val
Et du strom.
Ce sont les conquérants du monde
Cherchant la fortune chimique personnelle;
Le sport et le comfort voyagent avec eux;
Ils emmènent l’éducation
Des races, des classes et des bêtes, sur ce
Vaisseau.
Repos et vertige
A la lumière diluvienne,
Aux terribles soirs d’étude.
Car de la causerie parmi les appareils, – le sang,
les fleurs, le feu, les bijoux, –
Des comptes agités à ce bord fuyard,
– On voit, roulant comme une digue au-delà de
la route hydraulique motrice,
Monstrueux, s’éclairant sans fin, – leur stock
d’études; –
Eux chassés dans l’extase harmonique
Et l’héroïsme de la découverte.
Aux accidents atmosphériques les plus surprenants
Un couple de jeunesse s’isole sur l’arche,
– Est-ce ancienne sauvagerie qu’on pardonne?
Et chante et se poste.
Dois moinhos d’água e uma eclusa aberta
(Jacob van Ruisdael: pintor holandês)
Movimento
O movimento em ziguezague na encosta das quedas
d’água do rio,
O vórtice da roda de popa,
A rapidez da amurada,
A vasta passagem da corrente
Levam pelas luzes inimagináveis
E a transformação química
Os viajantes cercados pelas trombas d’água do vale
E da tempestade.
São os conquistadores do mundo
Buscando a fortuna química pessoal;
O esporte e o conforto navegam com eles;
Levam a educação
Das raças, classes e animais, nesse navio,
Repouso e vertigem
À luz torrencial,
Nas terríveis noites de estudo.
Pois da conversa entre os aparelhos, o sangue, as
flores,
o fogo, as pedras preciosas,
Dos cálculos agitados neste fugitivo transporte,
– Vê-se, rolando como um dique além da estrada de
força hidráulica,
Monstruoso, eternamente iluminado, – seu estoque
de estudos;
Eles guiados em êxtase harmônico,
E o heroísmo de descoberta.
Nos acidentes atmosféricos mais surpreendentes,
Um casal jovem se abraça indiferente na arca,
– É a timidez primitiva que as pessoas perdoam?
E canta e permanece de guarda.
Referências:
Em Francês
RIMBAUD, Arthur. Mouvement. In: __________. Collected poems. Translated wtih na introduction and notes by Martin Sorrell. A bilingual edition: French x English. Oxford, EN: Oxford University Press, 2001. p. 306.
Em Português
RIMBAUD, Arthur.
Movimento. Tradução de Cynthia Cortes e Paulo Soares. In: EVERDELL, William R. Os
primeiros modernos: as origens do pensamento do século XX. Tradução de
Cynthia Cortes e Paulo Soares. Rio de Janeiro, RJ: Record, 2000. p. 116.
Nenhum comentário:
Postar um comentário