Para o poeta e tradutor carioca, o estado em que se está vazio de tudo – mãos, cabeça, estômago desimpedidos, ou superadas quaisquer sensações – é exatamente aquele nos quais sucedem os mais imprevistos extremos – a descoberta da verdade, os grandes crimes, os mais sublimes gestos, ou nada absolutamente.
A exemplo das serpentes, os poemas mais sintéticos, moderados e sem asperezas – “os que menos coisas dizem” – são os que destilam o mais perfeito “veneno”: capturam o leitor pelos seus efeitos “entorpecedores” ou “paralisantes”, cativando-o pela brevidade de sua disposição gráfica, muito embora, vezes sem conta, deles se possa esgrimir uma pletora de comentos ou de ensaios analíticos.
J.A.R. – H.C.
Paulo Henriques Britto
(n. 1951)
Três Lamentos
III
Nada nas mãos nem na cabeça, nada
no estômago além da sensação vazia
de haver ultrapassado toda sensação.
É em estado assim que se descobre a verdade,
que se cometem os grandes crimes, os gestos
mais sublimes, ou então não se faz nada.
É como as cobras. As mais silenciosas,
de corpo mais esguio, de cor esmaecida,
destilam o veneno mais perfeito.
Assim também os poemas. Os mais contidos
e lisos, os que menos coisa dizem,
destilam o veneno mais perfeito.
Homem pensando
(Moris Manes: pintora israelense)
Referência:
BRITTO, Paulo Henriques. Três lamentos
(III). In: __________. Liturgia da matéria. Rio de Janeiro, RJ:
Civilização Brasileira,1982. p. 30. (Coleção ‘Poesia Hoje’; v. 59)
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