Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sábado, 29 de maio de 2021

Paulo Henriques Britto - Três Lamentos (III)

Para o poeta e tradutor carioca, o estado em que se está vazio de tudo – mãos, cabeça, estômago desimpedidos, ou superadas quaisquer sensações – é exatamente aquele nos quais sucedem os mais imprevistos extremos – a descoberta da verdade, os grandes crimes, os mais sublimes gestos, ou nada absolutamente.

A exemplo das serpentes, os poemas mais sintéticos, moderados e sem asperezas – “os que menos coisas dizem” – são os que destilam o mais perfeito “veneno”: capturam o leitor pelos seus efeitos “entorpecedores” ou “paralisantes”, cativando-o pela brevidade de sua disposição gráfica, muito embora, vezes sem conta, deles se possa esgrimir uma pletora de comentos ou de ensaios analíticos.

J.A.R. – H.C.

 

Paulo Henriques Britto

(n. 1951)

 

Três Lamentos

 

III

 

Nada nas mãos nem na cabeça, nada

no estômago além da sensação vazia

de haver ultrapassado toda sensação.

 

É em estado assim que se descobre a verdade,

que se cometem os grandes crimes, os gestos

mais sublimes, ou então não se faz nada.

 

É como as cobras. As mais silenciosas,

de corpo mais esguio, de cor esmaecida,

destilam o veneno mais perfeito.

 

Assim também os poemas. Os mais contidos

e lisos, os que menos coisa dizem,

destilam o veneno mais perfeito.

 

Homem pensando

(Moris Manes: pintora israelense)


Referência:

BRITTO, Paulo Henriques. Três lamentos (III). In: __________. Liturgia da matéria. Rio de Janeiro, RJ: Civilização Brasileira,1982. p. 30. (Coleção ‘Poesia Hoje’; v. 59)

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