Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

domingo, 9 de maio de 2021

Yehuda Amichai - À Minha Mãe

Hoje, dia dedicado às mães, trago aos internautas um poema do poeta germano-israelense Yehuda Amichai, vertido ao português a partir da tradução ao inglês do original em hebraico, tal como o transcrevo e o referencio mais abaixo: a imagística e as alusões do poeta, em seus versos, muito se ajustam à sua primigênia cultura judaica.

Amorosa, atenciosa e prestimosa, a mãe do poeta muito se parece com as demais mães sobre a face da terra. Mas há nela uma particular apreensão: suas súplicas, mãos levantadas aos céus e devoção ao Eterno ecoam algo ingênuas diante dos perigos suscitados pela contemporânea realidade secularizada, a expor a vida do filho a riscos, em face da realidade vivenciada por Israel, sempre em guerras e contendas com os países vizinhos.

J.A.R. – H.C.

 

Yehuda Amichai

(1924-2000)

 

To My Mother

 

1

Like an old windmill

Two hands always raised

To howl at the sky

And two lowered

To make sandwiches.

 

Her eyes are clean and glitter

Like the Passover eve.

 

2

At night she will put

All the letters

And the photographs

Side by side.

 

So she can measure

The length of God’s finger.

 

3

I want to walk in the deep

Wadis between her sobs

I want to stand in the terrible heat

Of her silence.

 

I want to lean on the

Rough trunks

Of her pain.

 

4

She laid me,

As Hagar laid Ishmael

Under one of the bushes.

 

So that she wont have to be at my death

ln the war,

Under one of the bushes

In one of the wars.

 

Mãe e Filho

(Thomas Sully: pintor anglo-americano)

 

À Minha Mãe

 

1

Como um velho moinho de vento

Duas mãos sempre levantadas

A suplicar aos céus

E duas abaixadas

Para fazer sanduíches.

 

Seus olhos estão limpos e lustrosos

Como a véspera da Páscoa.

 

2.

Ao anoitecer disporá

Todas as cartas

E fotografias

Lado a lado.

 

Para que possa medir

A extensão do dedo de Deus.

 

3.

Quero caminhar por ravinas

Profundas entre seus soluços

Quero resistir à ardente efusão

De seu silêncio.

 

Quero me apoiar

Nos lenhos ásperos

De sua dor.

 

4.

Ela me pôs

Como Agar a Ismael (*)

Sob um dos arbustos.

 

Que não presencie minha morte

Em combate,

Sob um dos arbustos

Em uma das guerras.


Nota:

(*) Alusão a Agar, mãe de Ismael, que, ao ser expulsa da presença de Abraão em razão dos ciúmes de Sara, sua senhora, “partiu, andando errante no deserto de Berseba. E consumida a água do odre, lançou o menino debaixo de uma das árvores. E foi assentar-se em frente, afastando-se à distância de um tiro de arco; porque dizia: Que eu não veja morrer o menino. E assentou-se em frente, e levantou a sua voz, e chorou”. (Gênesis 21:14-16)

Referência:

AMICHAI, Yehuda. To my mother. In: __________. Selected poems. Translated by Assia Gutmann and Harold Schimmel with the collaboration of Ted Hughes. With an Introduction by Michael Hamburger. Harmondsworth, EN: Penguin Books, 1971. p. 53-54. (‘Penguin Modern European Poets’)

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