Decerto que o imortal francês se reporta, neste fragmento de poema, ao implacável projeto de reforma urbana levado a efeito, sobretudo, no centro de Paris – a antiga “Lutetia Parisiorum” romana –, ao longo da segunda metade do século XIX, pelo barão Georges-Eugène Haussmann (1809-1891) – prefeito do Sena –, e por Napoleão III (1808-1873).
A reconstrução dotou a urbe de amplas avenidas e bulevares, praças e parques, outorgando-lhe ainda uma legislação a impor fachadas padronizadas ao longo das vias: todas essas linhas de ação aparecem, mais ou menos nitidamente, nos versos de Victor Hugo, conjuntamente a um rol de personagens – fictícios e reais – que deram vida e reputação a uma das cidades que, ainda hoje, é uma das mais visitadas por turistas de todo o mundo.
J.A.R. – H.C.
Victor Hugo
(1802-1885)
Les “Embellissements” de Paris
Quant à Paris, ton poing l’étreint. Grâce aux
bâtisses,
Paris, le grand Paris des superbes justices
Qui dressait en août, en septembre, en juillet,
Son front où tout à coup une étoile brillait,
Ce Paris qui, semblable au fauve dans les jungles,
Allongeait ses faubourgs comme un lion ses ongles,
Ce Paris où Danton poussant dans le ciel noir
Ces grands chevaux ailés, Droit, Gloire, Honneur,
Devoir,
A travers la tempête, à travers le prodige,
Passa comme un géant debout sur un quadrige,
Aujourd’hui ce Paris énorme est un éden
Charmant, plein de gourdins et tout constellé d’N;
La vieille hydre Lutèce est morte; plus de rues
Anarchiques, courant en liberté, bourrues,
Où la façade au choc du pignon se cabrant,
Le soir, dans un coin noir faisait rêver Rembrandt;
Plus de caprice; plus de carrefour méandre
Où Molière mêlait Géronte avec Léandre;
Alignement! tel est le mot d’ordre actuel.
Paris, percé par toi de part en part en duel,
Reçoit tout au travers du corps quinze ou vingt
rues
Neuves, d’une caserne utilement accrues;
Boulevard, place, ayant pour cocarde ton nom,
Tout ce qu’on fait prévoit le boulet de canon;
Socrate moustachu, tu fais marcher Xantippe
Ferme et droit; l’idéal a maintenant pour type
Un beau sergent de ville étendu de son long.
Phidias n’est qu’un sot auprès du fil à plomb.
Que c’est beau! de Pantin on voit jusqu’à Grenelle!
Ce vieux Paris n’est plus qu’une rue éternelle
Qui s’étire, élégante et belle comme l’I,
En disant: Rivoli! Rivoli! Rivoli!
L’empire est un damier enfermé dans sa boîte.
Tout, hors la conscience, y suit la ligne droite.
Paris
(Svetlana e Sabir Gadghievs: artistas russos)
Os ‘Embelezamentos” de Paris
Quanto a Paris, teu punho a constringe. Graças às
construções,
Paris, a grande Paris das soberbas justiças
Que se ergueram em agosto, em setembro, em julho,
Em cuja fronte subitamente brilhou uma estrela,
Esta Paris que, tal como uma fera nas selvas,
Estendeu os seus subúrbios como um leão as suas
garras,
Esta Paris onde Danton impeliu pelo negro céu
Quatro grandes cavalos alados – Direito, Glória,
Honra, Dever –
Através da tempestade, através do prodígio,
Passou como um gigante aprumado sobre uma quadriga,
Hoje em dia, esta Paris enorme é um charmoso
Éden, cheia de clavas e toda constelada de Ns;
A velha hidra Lutécia está morta; já não há ruas
Anárquicas, correndo livremente, irregulares,
Onde as fachadas aprumadas sob o efeito dos frontões,
Levavam Rembrandt a sonhar, à noite, em escuros
recantos;
Não mais caprichos, não mais encruzilhadas sinuosas
Onde Molière vinculou Léandre a Géronte;
Alinhamento! tal é a atual palavra de ordem.
Paris, traspassada por ti de um lado a outro num
duelo,
Recebe por todo corpo quinze ou vinte novas
Ruas, proveitosamente acrescidas de uma caserna;
Bulevares, praças, tendo por insígnia o teu nome,
Tudo o que se faz leva em conta os projéteis de
canhão;
Sócrates de fartos bigodes, fazes Xantipa caminhar
Firme e ereta; o ideal agora tem por tipo
Um belo sargento citadino, esguio a toda altura.
Fídias não passa de um tolo junto ao fio de prumo.
Que encanto! De Pantin se pode ver toda a rota até
Grenelle!
Esta velha Paris não é mais que uma rua eterna
Que se estende, elegante e bela, como um “I”,
A dizer: Rivoli! Rivoli! Rivoli!
O império é um tabuleiro de jogo encerrado em sua
caixa.
Tudo, exceto a consciência, segue em linha reta.
Referência:
HUGO, Victor. Les “embellissements” de
Paris. In: __________. Selected poems of Victor Hugo. A bilingual
edition: French x English. Translated by E. H. and A. M. Blackmore. Chicago,
IL: University of Chicago Press, 2001. p. 562 and 564.
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