Um poeta-advogado (ou seria um advogado-poeta?)
dedica a outro advogado poeta que acabara de falecer um belo poema sobre o
processo criativo na arte, particularmente sobre o sedutor ofício de escrever
versos e suas razões de ser: pergunta-se ele por que ser poeta, e sua resposta
preenche um espaço inteiro de uma vida com propósito – “homem sou: poeta devo
ser”.
Trata-se de um poema sobre o poder que a poesia teria para, com a sua labuta, impor ordem ao confuso e fortuito fluir do mundo. Noutra mirada, seria a própria poesia o resultado de um “estado de necessidade” do poeta, impelido irresistivelmente a redigir poemas, como que se o logos cartesiano houvesse experimentado uma desconcertante convolução: “Sou homem, logo poetizo!”.
J.A.R. – H.C.
Archibald MacLeish
(1892-1982)
Reasons for Music
for Wallace Stevens
Why do we labor at the poem
Age after Age – even an age like
This one, when the living rock
No longer lives and the cut stone perishes? –
Hölderlin’s question. Why be poet
Now when the meanings do not mean? –
When the stone shape is shaped stone? –
Dürftiger Zeit? – time without inwardness?
Why lie upon our beds at night
Holding a mouthful of words, exhausted
Most by the absence of the adversary?
Why be poet? Why be man!
Far out in the uttermost Andes
Mortised enormous stones are piled.
What is man? Who founds a poem
In the rubble of wild world – wilderness.
The acropolis of eternity that crumbles
Time and again is mine – my task.
The heart’s necessity compels me:
Man I am: poet must be.
The labor of order has no rest:
To impose on the confused, fortuitous
Flowing away of the world, Form –
Still, cool, clean, obdurate,
Lasting forever, or at least
Lasting: a precarious monument
Promising immortality, for the wing
Moves and in the moving balances.
Why do we labor at the poem?
Out of the turbulence of the sea,
Flower by brittle flower, rises
The coral reef that calms the water.
Generations of the dying
Fix the sea’s dissolving salts
In stone, still trees, their branches immovable,
Meaning
the movement of the sea.
Natureza-morta com
instrumentos musicais e livros
(Bartolomeo Bettera: pintor italiano)
Razões para a Música
Para Wallace Stevens
Por que labutamos no poema
Idade após Idade – mesmo numa idade
Como esta, quando as rochas vivas
Não mais vivem, e a pedra lapidada se desfaz?
Pergunta de Hölderlin (1). Por que ser poeta
Quando não significam os significados?
E o cinzelar da pedra é pedra cinzelada?
Dürftiger Zeit? (2) – sem interioridade?
Por que jazer à noite em nossas camas
Segurando um punhado de palavras, exauridos
Principalmente pela ausência do adversário?
Por que ser poeta? Por que ser homem?!
Ao longe, nos confins dos Andes,
Empilham-se enormes pedras entalhadas.
Que é o homem? O que alicerça um poema
No entulho de um mundo tremendo – o deserto.
A acrópole da eternidade que esboroa
Continuamente é minha – minha obrigação.
Do coração compele-me a necessidade:
Homem sou: poeta devo ser.
A labuta pela ordem é incessante:
Impor ao confuso, fortuito
Fluir do mundo, Forma...
Limpa, tranquila, fria, empedernida,
Durando para sempre, ou pelo menos
Perdurando: precário monumento
Com a promessa da imortalidade, pois a asa
Se move, e ao se mover se estabiliza.
Por que labutamos no poema?
Da turbulência do mar,
Flor por flor quebradiça, emerge
O recife de coral que acalma as águas.
As gerações dos que morrem
Fixam os dissolventes sais marinhos
Em pedra, árvores quietas, galharia imóvel,
Significando
o movimento do mar.
Notas do Tradutor:
(1) Johann Christian Friedrich Hölderlin
(1770-1843), grande poeta alemão, que desenvolveu um estilo altamente pessoal,
com o qual exprimiu sua visão de perfeição helênica. (MACLEISH, 1974, p. 136)
(2) Dürftiger Zeit?: Expressão colhida na Seção VII do poema de Hölderlin, “Brot und Wein”: ...und was zu tun indes und zu sagen, / Weiss ich nicht und wozu Dichter in dürftiger Zeit?” (“...e, enquanto isso, não sei o que fazer e o que dizer, e para que serve o poeta em época mesquinha?”). (MACLEISH, 1974, p. 136)
Referência:
MACLEISH,
Archibald. Reasons for music / Razões para a música. Tradução de Paulo Vizioli.
In: VIZIOLI, Paulo (Seleção e Tradução). Poetas norte-americanos.
Antologia bilíngue. Edição comemorativa do bicentenário da independência dos
Estados Unidos da América: 1776-1976. Rio de Janeiro, RJ: Lidador, 1974. Em
inglês e em português: p. 115-116.
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