Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quarta-feira, 12 de maio de 2021

Archibald MacLeish - Razões para a Música

Um poeta-advogado (ou seria um advogado-poeta?) dedica a outro advogado poeta que acabara de falecer um belo poema sobre o processo criativo na arte, particularmente sobre o sedutor ofício de escrever versos e suas razões de ser: pergunta-se ele por que ser poeta, e sua resposta preenche um espaço inteiro de uma vida com propósito – “homem sou: poeta devo ser”.

Trata-se de um poema sobre o poder que a poesia teria para, com a sua labuta, impor ordem ao confuso e fortuito fluir do mundo. Noutra mirada, seria a própria poesia o resultado de um “estado de necessidade” do poeta, impelido irresistivelmente a redigir poemas, como que se o logos cartesiano houvesse experimentado uma desconcertante convolução: “Sou homem, logo poetizo!”.

J.A.R. – H.C.

 

Archibald MacLeish

(1892-1982)

 

Reasons for Music

 

for Wallace Stevens

 

Why do we labor at the poem

Age after Age – even an age like

This one, when the living rock

No longer lives and the cut stone perishes? –

 

Hölderlin’s question. Why be poet

Now when the meanings do not mean? –

When the stone shape is shaped stone? –

Dürftiger Zeit? – time without inwardness?

 

Why lie upon our beds at night

Holding a mouthful of words, exhausted

Most by the absence of the adversary?

 

Why be poet? Why be man!

 

Far out in the uttermost Andes

Mortised enormous stones are piled.

What is man? Who founds a poem

In the rubble of wild world – wilderness.

 

The acropolis of eternity that crumbles

Time and again is mine – my task.

The heart’s necessity compels me:

Man I am: poet must be.

 

The labor of order has no rest:

To impose on the confused, fortuitous

Flowing away of the world, Form –

Still, cool, clean, obdurate,

 

Lasting forever, or at least

Lasting: a precarious monument

Promising immortality, for the wing

Moves and in the moving balances.

 

Why do we labor at the poem?

Out of the turbulence of the sea,

Flower by brittle flower, rises

The coral reef that calms the water.

 

Generations of the dying

Fix the sea’s dissolving salts

In stone, still trees, their branches immovable,

Meaning

              the movement of the sea.

 

Natureza-morta com

instrumentos musicais e livros

(Bartolomeo Bettera: pintor italiano)

 

Razões para a Música

 

Para Wallace Stevens

 

Por que labutamos no poema

Idade após Idade – mesmo numa idade

Como esta, quando as rochas vivas

Não mais vivem, e a pedra lapidada se desfaz?

 

Pergunta de Hölderlin (1). Por que ser poeta

Quando não significam os significados?

E o cinzelar da pedra é pedra cinzelada?

Dürftiger Zeit? (2) – sem interioridade?

 

Por que jazer à noite em nossas camas

Segurando um punhado de palavras, exauridos

Principalmente pela ausência do adversário?

 

Por que ser poeta? Por que ser homem?!

 

Ao longe, nos confins dos Andes,

Empilham-se enormes pedras entalhadas.

Que é o homem? O que alicerça um poema

No entulho de um mundo tremendo – o deserto.

 

A acrópole da eternidade que esboroa

Continuamente é minha – minha obrigação.

Do coração compele-me a necessidade:

Homem sou: poeta devo ser.

 

A labuta pela ordem é incessante:

Impor ao confuso, fortuito

Fluir do mundo, Forma...

Limpa, tranquila, fria, empedernida,

 

Durando para sempre, ou pelo menos

Perdurando: precário monumento

Com a promessa da imortalidade, pois a asa

Se move, e ao se mover se estabiliza.

 

Por que labutamos no poema?

Da turbulência do mar,

Flor por flor quebradiça, emerge

O recife de coral que acalma as águas.

 

As gerações dos que morrem

Fixam os dissolventes sais marinhos

Em pedra, árvores quietas, galharia imóvel,

Significando

                   o movimento do mar.


Notas do Tradutor:

(1) Johann Christian Friedrich Hölderlin (1770-1843), grande poeta alemão, que desenvolveu um estilo altamente pessoal, com o qual exprimiu sua visão de perfeição helênica. (MACLEISH, 1974, p. 136)

(2) Dürftiger Zeit?: Expressão colhida na Seção VII do poema de Hölderlin, “Brot und Wein”: ...und was zu tun indes und zu sagen, / Weiss ich nicht und wozu Dichter in dürftiger Zeit?” (“...e, enquanto isso, não sei o que fazer e o que dizer, e para que serve o poeta em época mesquinha?”). (MACLEISH, 1974, p. 136)

Referência:

MACLEISH, Archibald. Reasons for music / Razões para a música. Tradução de Paulo Vizioli. In: VIZIOLI, Paulo (Seleção e Tradução). Poetas norte-americanos. Antologia bilíngue. Edição comemorativa do bicentenário da independência dos Estados Unidos da América: 1776-1976. Rio de Janeiro, RJ: Lidador, 1974. Em inglês e em português: p. 115-116.

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