Sob um rigor formal, característico da poesia de Bilac, o infratranscrito soneto revela um ponto de vista mais subjetivista do que se poderia esperar de uma criação nomeadamente parnasiana. Na esfera temática, vislumbra-se o labor poético a predispor o poeta a um pretenso desígnio de imortalidade, consectário de sua vaidosa índole.
Cativa o leitor o fato de que, no correr das linhas, aparecem duas figuras que, ao fim e ao cabo, sintetizam a efígie do próprio “poeta”: primeiramente, o ente lírico, a encetar discurso explicitamente metalinguístico, e, depois, o caracterizado “poeta”, cuja presunçosa alocução surge entre aspas, do sétimo ao décimo segundo versos.
Num plano de síntese, poder-se-ia conjecturar que subsistem no espírito de Bilac – ou melhor, subsistiam, à época em que redigiu o poema – dois impulsos aparentemente antinômicos: um, a aspirar à perpetuidade de sua glória, no firmamento da literatura pátria; e outro, a reconhecer a vaidade de tal pretensão, porque lá “tão expressivas” não seriam os seus contributos, tanto mais em face do efeito corrosivo do tempo.
J.A.R. – H.C.
Olavo Bilac
(1865-1918)
Vanitas
Cego, em febre a cabeça, a mão nervosa e fria,
Trabalha. A alma lhe sai da pena, alucinada,
E enche-lhe, a palpitar, a estrofe iluminada
De gritos de triunfo e gritos de agonia.
Prende a ideia fugaz; doma a rima bravia,
Trabalha... E a obra, por fim, resplandece acabada:
“Mundo, que as minhas mãos arrancaram do nada!
Filha do meu trabalho! ergue-te à luz do dia!
Cheia da minha febre e da minha alma cheia,
Arranquei-te da vida ao ádito profundo,
Arranquei-te do amor à mina ampla e secreta!
Posso agora morrer, porque vives!” E o Poeta
Pensa que vai cair, exausto, ao pé de um mundo,
E cai – vaidade humana! – ao pé de um grão de
areia...
Em: “Alma Inquieta” (1902)
Vanitas: natureza-morta
(Autor holandês desconhecido)
Referência:
BILAC, Olavo. Vanitas. In: FARIA,
Antônio Augusto Moreira de; PINTO, Rosalvo Gonçalves (Orgs.). Poemas
brasileiros sobre trabalhadores: uma antologia de domínio público. Belo
Horizonte, MG: FALE/UFMG, 2011. p. 152. (‘Viva Voz’)
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