O ente lírico – vamos lá, o próprio WCW – descreve no poema o diálogo que manteve com a sua avó inglesa, nos umbrais da morte, sofrendo de grave enfermidade, sem qualquer vontade, contudo, de ser levada a um hospital, para onde, de todo modo, é transportada à força por uma ambulância a mando do neto – médico, aliás.
Ocorre que a velha senhora não chegou viva à casa de saúde, pois faleceu a meio do caminho, depois de expressar insinuante frustração com este mundo, o qual, de fato, já mal enxergava, induzindo-a a perder o contato com os fatos simples da vida, senão a render-se a um quadro de possível demência − o que explicaria a presença de pratos sujos à sua volta e a cama em desalinho, quando de início assistida.
J.A.R. – H.C.
The last words of my
english grandmother
A shortened version of a poem
first published in 1920
There were some dirty plates
and a glass of milk
beside her on a small table
near the rank, disheveled bed −
Wrinkled and nearly blind
she lay and snored
rousing with anger in her tones
to cry for food,
Gimme something to eat −
They’re starving me −
I’m all right − I won’t go
to the hospital. No, no, no
Give me something to eat!
Let me take you
to the hospital, I said
and after you are well
you can do as you please.
She smiled, Yes
you do what you please first
then I can do what I please −
Oh, oh, oh! she cried
as the ambulance men lifted
her to the stretcher −
Is this what you call
making me comfortable?
By now her mind was clear −
Oh you think you’re smart
you young people,
she said, but I’ll tell you
you don’t know anything.
Then we started.
On the way
we passed a long row
of elms. She looked at them
awhile out of
the ambulance window and said,
What are all those
fuzzy looking things out there?
Trees? Well, I’m tired
of them and rolled her head away.
As últimas palavras
de minha
avó inglesa
Versão abreviada de
um poema
publicado pela
primeira vez em 1920
Havia alguns pratos sujos
e um copo de leite
na mesinha ao lado dela
junto à cama rançosa, em desordem –
Encarquilhada e quase cega
ali jazia roncando
quando despertava, punha-se a gritar
em voz irada por comida,
Me dê alguma coisa pra comer –
Eles me matam de fome –
Estou bem não quero ir
para o hospital. Não, não, não
Me dê alguma coisa pra comer
Deixe-me levá-la
para o hospital, eu disse
e depois quando estiver bem
poderá fazer o que quiser.
Ela sorriu, Certo
Você faz o que quiser primeiro
aí poderei fazer o que eu quiser –
Oh, oh, oh! gritou ela
quando os homens da ambulância
a puseram na maca –
É isso que vocês chamam
de me pôr a cômodo?
Já então estava lúcida –
Oh, vocês se acham espertos
vocês gente moça,
disse, mas eu garanto
que não sabem coisa alguma.
Então partimos.
No caminho
passamos por um longo renque
de olmos. Ela os contemplou
alguns instantes pela
janela da ambulância e disse,
O que são todas essas
coisas felpudas lá fora?
Árvores? Ora, estou cheia
delas, e sua cabeça rolou para o lado.
Referência:
WILLIAMS,
William Carlos. The last words of my english grandmother / As últimas palavras
de minha avó inglesa. Tradução de José Paulo Paes. In: __________. Poemas.
Seleção, tradução e estudo crítico de José Paulo Paes. Edição bilíngue. São
Paulo, SP: Companhia das Letras, 1987. Em inglês: p. 144 e 146; em português:
p. 145 e 147.
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