Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quarta-feira, 25 de novembro de 2020

William Carlos Williams - As últimas palavras de minha avó inglesa

O ente lírico – vamos lá, o próprio WCW – descreve no poema o diálogo que manteve com a sua avó inglesa, nos umbrais da morte, sofrendo de grave enfermidade, sem qualquer vontade, contudo, de ser levada a um hospital, para onde, de todo modo, é transportada à força por uma ambulância a mando do neto – médico, aliás. 

Ocorre que a velha senhora não chegou viva à casa de saúde, pois faleceu a meio do caminho, depois de expressar insinuante frustração com este mundo, o qual, de fato, já mal enxergava, induzindo-a a perder o contato com os fatos simples da vida, senão a render-se a um quadro de possível demência − o que explicaria a presença de pratos sujos à sua volta e a cama em desalinho, quando de início assistida. 

J.A.R. – H.C.



William Carlos Williams
(1883-1963)
 

The last words of my

english grandmother

 

A shortened version of a poem

first published in 1920

 

There were some dirty plates

and a glass of milk

beside her on a small table

near the rank, disheveled bed −

 

Wrinkled and nearly blind

she lay and snored

rousing with anger in her tones

to cry for food,

 

Gimme something to eat −

They’re starving me −

I’m all right − I won’t go

to the hospital. No, no, no

 

Give me something to eat!

Let me take you

to the hospital, I said

and after you are well

 

you can do as you please.

She smiled, Yes

you do what you please first

then I can do what I please −

 

Oh, oh, oh! she cried

as the ambulance men lifted

her to the stretcher −

Is this what you call

 

making me comfortable?

By now her mind was clear −

Oh you think you’re smart

you young people,

 

she said, but I’ll tell you

you don’t know anything.

Then we started.

On the way

 

we passed a long row

of elms. She looked at them

awhile out of

the ambulance window and said,

 

What are all those

fuzzy looking things out there?

Trees? Well, I’m tired

of them and rolled her head away.




A Avó
(Albert Anker: pintor suíço)
 

As últimas palavras de minha

avó inglesa

 

Versão abreviada de um poema

publicado pela primeira vez em 1920

 

Havia alguns pratos sujos

e um copo de leite

na mesinha ao lado dela

junto à cama rançosa, em desordem –

 

Encarquilhada e quase cega

ali jazia roncando

quando despertava, punha-se a gritar

em voz irada por comida,

 

Me dê alguma coisa pra comer –

Eles me matam de fome –

Estou bem não quero ir

para o hospital. Não, não, não

 

Me dê alguma coisa pra comer

Deixe-me levá-la

para o hospital, eu disse

e depois quando estiver bem

 

poderá fazer o que quiser.

Ela sorriu, Certo

Você faz o que quiser primeiro

aí poderei fazer o que eu quiser –

 

Oh, oh, oh! gritou ela

quando os homens da ambulância

a puseram na maca –

É isso que vocês chamam

 

de me pôr a cômodo?

Já então estava lúcida –

Oh, vocês se acham espertos

vocês gente moça,

 

disse, mas eu garanto

que não sabem coisa alguma.

Então partimos.

No caminho

 

passamos por um longo renque

de olmos. Ela os contemplou

alguns instantes pela

janela da ambulância e disse,

 

O que são todas essas

coisas felpudas lá fora?

Árvores? Ora, estou cheia

delas, e sua cabeça rolou para o lado.

Referência:

WILLIAMS, William Carlos. The last words of my english grandmother / As últimas palavras de minha avó inglesa. Tradução de José Paulo Paes. In: __________. Poemas. Seleção, tradução e estudo crítico de José Paulo Paes. Edição bilíngue. São Paulo, SP: Companhia das Letras, 1987. Em inglês: p. 144 e 146; em português: p. 145 e 147.

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