Sob um fundo bizantino, tudo quanto se
passa nas tardes religiosas de Verhaeren reflete-se em suaves minúcias e detalhes,
permitindo entrever o mistério ou o âmago das coisas, enquanto os monges, em procissão,
alinhados em fila dupla, parecem carregar círios com hastes imensas, dirigindo
as suas preces a um Deus imenso, esconso no firmamento estrelado e azul, a
integrar a paisagem.
Consigne-se que a seção (IV) em apreço
é uma das que compõem a obra “Les Moines” (“Os Monges”), de 1886, do autor
belga de expressão francesa, estando ela carregada de tons simbolistas e hieráticos,
revelando uma imaginação pródiga, em busca − quem sabe? – de atenuar um
intelecto ainda muito apegado à austera evidenciação dos elementos tangíveis à
volta.
J.A.R. – H.C.
Soir religieux
(IV)
Le déclin du soleil
étend, jusqu’aux lointains,
Son silence et sa
paix comme un pâle cilice;
Les choses sont d’aspect
méticuleux et lisse
Et se détaillent
clair sur des fonds byzantins.
L’averse a sabré l’air
de ses lames de grêle,
Et voici que le ciel
luit comme un parvis bleu,
Et que c’est l’heure
où meurt à l’occident le feu,
Où l’argent de la
nuit à l’or du jour se mêle.
A l’horizon, plus
rien ne passe, si ce n’est
Une allée infinie et
géante de chênes,
Se prolongeant au
loin jusqu’aux fermes prochaines.
Le long des champs en
friche et des coins de genêt.
Ces arbres vont −
ainsi des moines mortuaires
Qui s’en iraient, le
coeur assombri par les soirs,
Comme jadis partaient
les longs pénitents noirs
Pèleriner, là-bas,
vers d’anciens sanctuaires.
Et la route d’amont
toute large s’ouvrant
Sur le couchant rougi
comme un plant de pivoines,
A voir ces arbres
nus, à voir passer ces moines,
On dirait qu’ils s’en
vont ce soir, en double rang,
Vers leur Dieu dont l’azur
d’étoiles s’ensemence;
Et les astres,
brillant là-haut sur leur chemin,
Semblent les feux de
grands cierges, tenus en main,
Dont on n’aperçoit
pas monter la tige immense.
Tardes religiosas
Estende o pôr do sol,
num cilício opalino,
O seu silêncio e paz
até muito distante...
Todas as cousas têm o
aspecto ressaltante,
De um nítido relevo,
em fundo bizantino.
Antes, varrera a
chuva os ares, com açoite,
E eis o céu, átrio
azul que as estrelas abrasam,
É hora em que morre a
luz no ocidente e se casam
O ouro argênteo do
dia e a áurea prata da noite.
Só, no horizonte,
avulta, evocativa e mesta,
Uma aleia colossal de
robles elevados,
Prolongando-se até as
herdades, e os prados
Incultos contornando,
e campos de giesta.
E essas árvores vão,
quais monges funerários,
Tendo o peito
engolfado em noites inclementes,
Como iam noutro tempo
os negros penitentes
Além, peregrinar, por
velhos santuários.
E a estrada para cima
alarga-se, tocando
O poente aberto em flor;
e ao se ver a sombria
Procissão a passar, −
esses monges, − dir-se-ia
Que eles vão nesta
noite, em dupla ordem, marchando,
Para o seu Deus, no
Azul, que se redoira e incensa!
E sobre o seu caminho
os astros incendidos
Lembram chamas sem
fim de altos círios erguidos,
E dos quais ninguém
vê a haste da vela imensa...
Referências:
Em Francês
VERHAEREN, Émile. Soir religieux (IV).
Disponível neste endereço. Acesso em: 24 out.
2020.
Em Português
VERHAEREN, Émile. Tardes religiosas.
Tradução de Álvaro Reis. In: MAGALHÃES JÚNIOR, R. Antologia de poetas
franceses: do século XV ao século XX. Rio de Janeiro, RJ: Tupy, 1950. p.
418-419.
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