Grünbein, poeta nascido em Dresden, Alemanha – cidade arrasada pelos Aliados na reta final da 2GM −, narra-nos este poema, no qual o ente lírico encontra-se em um táxi numa manhã de dezembro, em Berlim, quando, ao passar em frente aos muros de um cemitério, vê-se invadido por um sentimento de inveja daqueles cujas preocupações, há muito ou pouco, já findaram.
A cidade é um cenário de morte, repleto de agentes funerários ao longo do trecho entre a porta de sua casa e a estação, submersos num cinismo que mal consegue disfarçar os interesses financeiros do negócio, apregoado, aliás, em slogans publicitários instigantes, associados à oferta de pacotes funerários com descontos. Assim, contempla-se a vida como uma epifania de um instante cintilante à beira de uma estrada – e logo já será passado!
J.A.R. – H.C.
Durs Grünbein
(n. 1962)
Berlin Posthum
‘Du kannst ja nach Berlin fahren. Da
bist du schon einmal gewesen’.
Kierkegaard, ‘Die Wiederholung’
Dezemberrnorgen. Im Taxi, an Friedhofsmauern
vorüberfahrend,
Überrascht dich dein Neid. ‘Die haben’s
geschafft’.
In den Augen, vom Licht aufgestemmt, reibt es wie
nasser Sand.
Der Fahrer nestelt am Rosenkranz. Du siehst nur die
Bahren
In den Schaufenstern, Trödel, hinter gelben
Gardinen, gerafft.
Dann beginnst du zu zählen. Die Finger an jeder
Hand
Reichen nicht aus − so viele Bestattungsfirmen gibt
es entlang
Der Strecke von der Haustür zum Bahnhof. Schamlos
ihr Werben,
Schwan auf weiß, um die Toten von morgen, in harten
Sätzen.
Alles ist rechtwinklig hier. Kreuze und Gitter
brechen den Drang,
Als Samurai, ein Schwert in der Magengrube, zu
sterben.
Die Bäcker haben den Brotteig verrührt. Die Metzger
wetzen
Die Klingen vor Arbeitsbeginn. Obst glänzt in
Stiegen, sortiert.
Das Taxameter, in Zwanzigerschritten, springt mit
dem Geld um,
Das sich unendlich langsam verdient, mit elegischen
Zeilen.
Fröstelnd das Hirn, exklusiv vom Zynismus der Zeit
penetriert,
Reagiert mit Schläfrigkeit. Der Fahrgast erwidert
stumm
Im Rückspiegel den Blick des Chauffeurs. Er muß
sich beeilen,
Wenn er den Zug nicht verpassen will. Im Autoradio
raunt
Eine sachliche Stimme die Weltnachrichten um sechs
Uhr drei.
Irgendwo steigt jetzt ein Börsencoup, irgendwo
platzt ein Scheck.
‘Schon mal vorausgedacht?’ pöbelt in Fettschrift
ein Sarg Discount.
Am Straßenrand blitzt ein Leben auf, einzeln und −
schon vorbei.
‘Lange trauern hat keinen Zweck. Wir schaffen die
Leiche weg’.
Portão de
Brandemburgo em Berlim
(Ernst Ludwig
Kirchner: pintor alemão)
Berlim Póstuma
‘Podes afinal ir a Berlim. Já lá estiveste uma vez’.
Kierkegaard, ‘A Repetição’
Manhã de dezembro. Num táxi, ao passar pelos muros
do cemitério,
Surpreendes-te com tua inveja. ‘Eis os que estão
fora de perigo’.
Nos olhos, fulminados pela luz, tens a sensação de
areia úmida.
O motorista revolve o seu colar de contas. Nada vês
além de macas
Nas vitrines das lojas, lixo, atrás das cortinas
amarelas, arregaçadas.
Então começas a contar. Os dedos de ambas as mãos
não são suficientes – muitos são os agentes
funerários ao longo da rota
entre a porta da frente e a estação de trem. Impudentes
eles cortejam,
em branco a rodear, os mortos da manhã, numa
alocução desapiedada.
Tudo aqui são ângulos retos. Cruzes e treliças
dissipam a ânsia
de morrer como um samurai, com uma espada no
ventre.
Os padeiros misturam a massa do pão. Os açougueiros
afiam as lâminas
antes de começar a trabalhar. As frutas brilham em
pilhas, triadas.
O taxímetro, em passos de vinte, move-se com a
quantia
que aufere de modo demasiadamente lento, em linhas
elegíacas.
O cérebro a arrepiar-se, penetrado tão apenas pelo cinismo
da época,
reage com sonolência. Silenciosamente, o passageiro
responde
ao olhar do motorista pelo espelho retrovisor. Deve
ele se apressar,
se não quiseres perder o trem. Às seis horas e três
minutos,
no rádio do carro, uma voz sóbria divulga o
noticiário mundial.
Nalguma parte há agora um abalo bursátil, uma
rescrição estoura algures.
‘Alguma vez já pensaste no futuro?’ instiga em
negrito um anúncio
de pacotes funerários com descontos.
À beira da estrada uma vida cintila,
individualmente – e já é passado.
‘Não há sentido em enlutar-se por muito tempo. Removamos
o corpo’.
Referência:
GRÜNBEIN,
Durs. Berlin posthum. In: __________. Ashes for breakfast: selected poems.
Translated from German to English by Michael Hofmann. First paperback edition. New
York, NY: Farrar, Straus and Giroux, 2006. p. 290.
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