Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

domingo, 8 de novembro de 2020

Durs Grünbein - Berlim Póstuma

Grünbein, poeta nascido em Dresden, Alemanha – cidade arrasada pelos Aliados na reta final da 2GM −, narra-nos este poema, no qual o ente lírico encontra-se em um táxi numa manhã de dezembro, em Berlim, quando, ao passar em frente aos muros de um cemitério, vê-se invadido por um sentimento de inveja daqueles cujas preocupações, há muito ou pouco, já findaram. 

A cidade é um cenário de morte, repleto de agentes funerários ao longo do trecho entre a porta de sua casa e a estação, submersos num cinismo que mal consegue disfarçar os interesses financeiros do negócio, apregoado, aliás, em slogans publicitários instigantes, associados à oferta de pacotes funerários com descontos. Assim, contempla-se a vida como uma epifania de um instante cintilante à beira de uma estrada – e logo já será passado! 

J.A.R. – H.C.

 

Durs Grünbein
(n. 1962)

 

Berlin Posthum

 

‘Du kannst ja nach Berlin fahren. Da bist du schon einmal gewesen’.

Kierkegaard, ‘Die Wiederholung’

 

Dezemberrnorgen. Im Taxi, an Friedhofsmauern vorüberfahrend,

Überrascht dich dein Neid. ‘Die haben’s geschafft’.

In den Augen, vom Licht aufgestemmt, reibt es wie nasser Sand.

Der Fahrer nestelt am Rosenkranz. Du siehst nur die Bahren

In den Schaufenstern, Trödel, hinter gelben Gardinen, gerafft.

Dann beginnst du zu zählen. Die Finger an jeder Hand

Reichen nicht aus − so viele Bestattungsfirmen gibt es entlang

Der Strecke von der Haustür zum Bahnhof. Schamlos ihr Werben,

Schwan auf weiß, um die Toten von morgen, in harten Sätzen.

Alles ist rechtwinklig hier. Kreuze und Gitter brechen den Drang,

Als Samurai, ein Schwert in der Magengrube, zu sterben.

Die Bäcker haben den Brotteig verrührt. Die Metzger wetzen

Die Klingen vor Arbeitsbeginn. Obst glänzt in Stiegen, sortiert.

Das Taxameter, in Zwanzigerschritten, springt mit dem Geld um,

Das sich unendlich langsam verdient, mit elegischen Zeilen.

Fröstelnd das Hirn, exklusiv vom Zynismus der Zeit penetriert,

Reagiert mit Schläfrigkeit. Der Fahrgast erwidert stumm

Im Rückspiegel den Blick des Chauffeurs. Er muß sich beeilen,

Wenn er den Zug nicht verpassen will. Im Autoradio raunt

Eine sachliche Stimme die Weltnachrichten um sechs Uhr drei.

Irgendwo steigt jetzt ein Börsencoup, irgendwo platzt ein Scheck.

‘Schon mal vorausgedacht?’ pöbelt in Fettschrift ein Sarg Discount.

Am Straßenrand blitzt ein Leben auf, einzeln und − schon vorbei.

‘Lange trauern hat keinen Zweck. Wir schaffen die Leiche weg’.

  

Portão de Brandemburgo em Berlim
(Ernst Ludwig Kirchner: pintor alemão)
 

Berlim Póstuma

 

Podes afinal ir a Berlim. Já lá estiveste uma vez.

Kierkegaard, ‘A Repetição’

 

Manhã de dezembro. Num táxi, ao passar pelos muros do cemitério,

Surpreendes-te com tua inveja. ‘Eis os que estão fora de perigo’.

Nos olhos, fulminados pela luz, tens a sensação de areia úmida.

O motorista revolve o seu colar de contas. Nada vês além de macas

Nas vitrines das lojas, lixo, atrás das cortinas amarelas, arregaçadas.

Então começas a contar. Os dedos de ambas as mãos

não são suficientes – muitos são os agentes funerários ao longo da rota

entre a porta da frente e a estação de trem. Impudentes eles cortejam,

em branco a rodear, os mortos da manhã, numa alocução desapiedada.

Tudo aqui são ângulos retos. Cruzes e treliças dissipam a ânsia

de morrer como um samurai, com uma espada no ventre.

Os padeiros misturam a massa do pão. Os açougueiros afiam as lâminas

antes de começar a trabalhar. As frutas brilham em pilhas, triadas.

O taxímetro, em passos de vinte, move-se com a quantia

que aufere de modo demasiadamente lento, em linhas elegíacas.

O cérebro a arrepiar-se, penetrado tão apenas pelo cinismo da época,

reage com sonolência. Silenciosamente, o passageiro responde

ao olhar do motorista pelo espelho retrovisor. Deve ele se apressar,

se não quiseres perder o trem. Às seis horas e três minutos,

no rádio do carro, uma voz sóbria divulga o noticiário mundial.

Nalguma parte há agora um abalo bursátil, uma rescrição estoura algures.

‘Alguma vez já pensaste no futuro?’ instiga em negrito um anúncio

de pacotes funerários com descontos.

À beira da estrada uma vida cintila, individualmente – e já é passado.

‘Não há sentido em enlutar-se por muito tempo. Removamos o corpo’.


Referência:

GRÜNBEIN, Durs. Berlin posthum. In: __________. Ashes for breakfast: selected poems. Translated from German to English by Michael Hofmann. First paperback edition. New York, NY: Farrar, Straus and Giroux, 2006. p. 290.

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