Fazendo referência, aparentemente, ao
episódio bíblico da queda da Babilônia, narrado em (Daniel: 5), Auster retrata
neste poema muito de sua ascendência judaica, reforçada pela expressão “hebreu
de sangue”, com acento no sagrado, assimilado ao silêncio e à imobilidade dos
muros, a recolherem o proverbial aresto dos desígnios de Javé.
É um decifrar contínuo dos sinais
presentes no mundo material, com o objetivo de convertê-los em conteúdos
seguros do mundo espiritual. Para tanto, lança-se mão de robusta memória,
aspergindo-a no tempo presente como pólen e sementes, capazes de dar flores e
frutos a um povo unido pela palavra, mesmo que ainda meio disperso sobre a
terra.
J.A.R. – H.C.
Hieroglyph
The language of
walls.
Or one last word –
cut
from the visible.
May Day. The
metamorphosis
of Solomon’s-seal
into stone. The just
doom of the uttered
road, unraveled in
the swirl
of pollen-memory
and seed. Do not
emerge, Eden. Stay
in the mouths of the
lost
who dream you.
Upon thunder and
thorn: the furtive air
arms
the lightning-gorse
and silence
of each fallow sky
below. Blood Hebrew.
Or what
translates
my body’s turning
back
to an image of earth.
This knife
I hold against your throat.
In: “Wall Writing”
(1971-1975)
Hieróglifo
A linguagem dos
muros.
Ou uma última palavra
–
recortada
ao visível.
Primeiro de maio. A
metamorfose
do selo de Salomão
em pedra. O justo
fado do caminho
traçado, desenredado
no vórtice
da memória-pólen
e semente. Não
emerjas, Éden.
Queda-te
na boca dos
condenados
que contigo sonham.
Quanto a trovões e
sarças: o ar furtivo
arma
o arbusto-relâmpago e
o silêncio
de cada céu fulvo
por baixo. Hebreu de
sangue. Ou o que
traduz
o retorno do meu
corpo
a uma imagem da
terra.
Esta faca,
mantenho-a contra a
tua garganta.
Em: “Escritura Mural”
(1971-1975)
Referência:
AUSTER, Paul. Hieroglyph. In:
__________. Collected poems. 1st. ed. Woodstock & New York (NY): The
Overlook Press, 2004. p. 86.
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