À beira de uma especulativa morte, a
poetisa – ou uma voz lírica que lhe faça as vezes − põe-se a refletir sobre o
mundo ao redor, melhor dizendo, acerca de seu país de adoção – o Canadá −, internalizando
as imagens de que fora, então, capaz de evocar, para melhor compreender-lhe a
essência – Toronto em especial (embora tenha nascido em Ottawa).
Veja-se que a voz lírica ainda está
bastante apegada às coisas terrenas, haja vista que preocupada com o que há de
suceder com tudo quanto, em termos tangíveis, gira à sua volta: seu mundo e
seus parentes poderão existir depois que ela se for?: claro está que o que se
extinguirá são apenas o seu corpo e as suas percepções, deveras efêmeras quanto
qualquer outra visão de mundo construída socialmente!
J.A.R. – H.C.
Solipsism while dying
the skeleton produces flesh
enemy
opposing, then taken
for granted, earth harvested, used
up, walked over
the ears produce sounds
what I heard what I
created. (voices
determining, repeating
histories, worn customs
the mouth produces words
I said I created
myself, and these
frames, commas, calendars,
that enclose me
the hands produce objects
the world touched
into existence: was
this cup, this village here
before my fingers
the eyes produce light
the sky
leaps at me: let there be
the sun-
set
Or so I thought, lying in the bed
being regretted
added: What will they do now
that I, that all
depending on me disappears?
Where will be Belleville?
Kingston?
(the fields
I held between, the lake
boats
t o r o N T O
A morte de Marat
(Jacques-Louis David: pintor francês)
Solipsismo ao morrer
o esqueleto produz carne
inimiga
a se lhe opor, logo
transigida, terra segada, exaurida,
espezinhada
os ouvidos produzem sons
por mim escutados e
criados. (vozes
determinantes, histórias que se
repetem, rotos costumes
a boca produz palavras
ditas por mim e por mim mesma
criadas, e estas
molduras, vírgulas, calendários
que me rodeiam
as mãos produzem objetos
orientados pelo mundo
à existência: assim surgiram
esta taça, esta aldeia aqui
diante de meus dedos
os olhos produzem a luz
que o céu
lança sobre mim: que venha
o pôr do
sol
Algo assim eu pensei, estirada no leito,
sendo pranteada
e acresci: O que se há de fazer agora
que eu, e tudo de quanto de mim
dependa, desaparece?
Onde estará Belleville?
E Kingston.
(os campos
em que folgava, o lago,
os batéis
t o r o N T O
Referência:
ATWOOD, Margaret. Solipsism while dying. In: __________. The journals of Susanna Moodie: journal III. Toronto, CA: Oxford University Press, 1970. p. 52-53.
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