Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sábado, 14 de novembro de 2020

Monique Laederach - Com qual amor tenho sonhado

Uma outra autora de origem suíça, assumindo a voz de Penélope e as suas contingências de vida – relembremos, enquanto esposa fiel à espera do retorno do consorte, Ulisses, da Guerra de Troia, por longos dez anos −, celebra o fato de haver vivido em terras helênicas – um extenso cemitério, onde “dormem” os seus valorosos ancestrais.

Os versos denotam a chegada do outono, quando já a árvore metafórica cresceu aos céus, expandiu os seus ramos e deu frutos – logo recolhidos pelos que se dispuseram a sorvê-los. Agora, antevê Penélope a sua própria conversão orgânica em terra, areia e rocha, desvanecendo-se em matéria primordial, para que o novo a ela dê serventia, impregnando-se da gana de perpetuar-se na história.

J.A.R. – H.C.

Monique Laederach
(1938-2004)
 

A quel amour ai-je rêvé
 

Ulysse: Tu veux savoir mon nom le
plus connu, Cyclope? je men vais te
le dire. C’est Personne, mon nom:
oui! mon père et ma mère et tous mes
compagnons mont surnommé Personne.
Odyssée, ch. IX, v. 365-370
 

A quel amour ai-je rêvé qu’il donne et qu’il retire
tout à la fois sa résine à mon arbre?
J’étais, je me souviens.
Il paraissait aisé de planter ses racines et d’aborder le ciel
face à face comme un père.
J’avais porté des fruits. Je les ai vus mûrir, tomber.
J’ai vu les mains de ceux qui se baissaient
pour les prendre. Et j’aimais le soleil.

Maintenant, je deviens terre, terre moi-même;
je deviens sable et rocher.
J’avance dans ce pays qui est en moi,
long cimetière où dorment mes pères
et les pères de mes pères, ces géants mes ancêtres,
leurs membres mêlés comme des branches
dans les parois de terre, veines de métal maigre et froid.

Dans: “Pénélope” (1971)
 


Paternidade e Cuidado
(Leon Zernitsky: pintor russo)
 

Com qual amor tenho sonhado
 

Ulisses: “Ciclope, perguntaste o meu
glorioso nome; eu vou dizer-to; dá-me,
porém, o presente, como prometeste.
Meu nome é Ninguém. Chamam-me
Ninguém minha mãe, meu pai
e todos os meus companheiros”.
Odisseia, Canto, v. 365-370 (*)
 

Com qual amor tenho sonhado que dá e que retira,
a um só tempo, a sua resina à minha árvore?
Eu existia, recordo-me.
Parecia fácil plantar suas raízes e dirigir-se aos céus,
face a face como um pai.
Havia dado frutos. Vi-os amadurecer e cair.
Vi as mãos daqueles que se inclinaram
para os apanhar. E adorava o sol.

Agora, estou a tornar-me terra, terra a mim mesma;
estou a tornar-me areia e rocha.
Caminho por este país que em mim está,
longo cemitério onde dormem meus pais,
e os pais de meus pais, meus gigantes ancestrais,
seus membros entrelaçados como ramos
nos muros da terra, veios de metal delgado e frio.

Em: “Penélope” (1971)

Nota:

(*) A tradução da epígrafe do poema, diretamente do grego, pertence a Jaime Bruna em: HOMERO.
Odisseia. São Paulo, SP: Abril, 2010. p. 146. (Clássicos ‘Abril Coleções’; v. 35). A versão ao português do poema em francês é de minha autoria.

Referência:

LAEDERACH, Monique. A quel amour ai-je rêvé. In: __________.
Poésie complète. Lausanne, CH: Éditions L’Age d’Homme, 2003. p. 31.

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