Uma outra autora de origem suíça, assumindo
a voz de Penélope e as suas contingências de vida – relembremos, enquanto esposa
fiel à espera do retorno do consorte, Ulisses, da Guerra de Troia, por longos
dez anos −, celebra o fato de haver vivido em terras helênicas – um extenso
cemitério, onde “dormem” os seus valorosos ancestrais.
Os versos denotam a chegada do outono,
quando já a árvore metafórica cresceu aos céus, expandiu os seus ramos e deu
frutos – logo recolhidos pelos que se dispuseram a sorvê-los. Agora, antevê Penélope
a sua própria conversão orgânica em terra, areia e rocha, desvanecendo-se em
matéria primordial, para que o novo a ela dê serventia, impregnando-se da gana
de perpetuar-se na história.
J.A.R. – H.C.
(1938-2004)
A quel amour ai-je
rêvé
Ulysse: Tu veux
savoir mon nom le
plus connu, Cyclope?
je men vais te
le dire. C’est
Personne, mon nom:
oui! mon père et ma
mère et tous mes
compagnons mont
surnommé Personne.
Odyssée, ch. IX, v.
365-370
A quel amour ai-je
rêvé qu’il donne et qu’il retire
tout à la fois sa
résine à mon arbre?
J’étais, je me
souviens.
Il paraissait aisé de
planter ses racines et d’aborder le ciel
face à face comme un
père.
J’avais porté des
fruits. Je les ai vus mûrir, tomber.
J’ai vu les mains de
ceux qui se baissaient
pour les prendre. Et
j’aimais le soleil.
Maintenant, je
deviens terre, terre moi-même;
je deviens sable et
rocher.
J’avance dans ce pays
qui est en moi,
long cimetière où
dorment mes pères
et les pères de mes
pères, ces géants mes ancêtres,
leurs membres mêlés
comme des branches
dans les parois de
terre, veines de métal maigre et froid.
Dans: “Pénélope”
(1971)
Com qual amor tenho sonhado
Ulisses: “Ciclope,
perguntaste o meu
glorioso nome; eu vou
dizer-to; dá-me,
porém, o presente, como
prometeste.
Meu nome é Ninguém. Chamam-me
Ninguém minha mãe,
meu pai
e todos os meus
companheiros”.
Odisseia, Canto, v.
365-370 (*)
Com qual amor tenho
sonhado que dá e que retira,
a um só tempo, a sua
resina à minha árvore?
Eu existia, recordo-me.
Parecia fácil plantar
suas raízes e dirigir-se aos céus,
face a face como um
pai.
Havia dado frutos.
Vi-os amadurecer e cair.
Vi as mãos daqueles
que se inclinaram
para os apanhar. E
adorava o sol.
Agora, estou a
tornar-me terra, terra a mim mesma;
estou a tornar-me
areia e rocha.
Caminho por este país
que em mim está,
longo cemitério onde
dormem meus pais,
e os pais de meus
pais, meus gigantes ancestrais,
seus membros
entrelaçados como ramos
nos muros da terra,
veios de metal delgado e frio.
Em: “Penélope” (1971)
Nota:
(*) A tradução da epígrafe do poema,
diretamente do grego, pertence a Jaime Bruna em: HOMERO. Odisseia. São
Paulo, SP: Abril, 2010. p. 146. (Clássicos ‘Abril Coleções’; v. 35). A versão
ao português do poema em francês é de minha autoria.
Referência:
LAEDERACH, Monique. A quel amour ai-je
rêvé. In: __________. Poésie complète. Lausanne, CH: Éditions L’Age
d’Homme, 2003. p. 31.
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