Aiken, à moda dos simbolistas
franceses, translada vida a sonho neste quadro de beleza, vestígios e trilhas,
com imagens oblíquas e associações livres: pode-se sentir a harmonia musical a
fluir dos versos do poema, ainda que bastante sutilmente, quando o tordo,
rompendo o silêncio, vier a trinar o seu canto melodioso, ou de outro modo, a
bela moça enunciar a pura, doce e clara frase sob o crepúsculo, “para encher o
sino azul do mundo”.
Os três belos peregrinos surgem como se
fossem manifestações alegóricas da criação, do destino e da finitude. E não
estamos precisamente no esplendor do dia, senão sob as luzes do arrebol: seria
esse o momento em que a beleza da jovem começaria a declinar – árvore, flor e
folha a empalidecer aos olhos do ente lírico, refletidas num lago de “águas
imóveis”, numa terra a que jamais se terá acesso?!
J.A.R. – H.C.
Portrait of a Girl
This is the shape of
the leaf, and this of the flower,
And this the pale
bole of the tree
Which watches its
bough in a pool of unwavering water
In a land we never
shall see.
The thrush on the
bough is silent, the dew falis softly,
In the evening is
hardly a sound...
And the three
beautiful pilgrims who come here together
Touch lightly the
dust of the ground.
Touch it with feet
that trouble the dust but as wings do,
Come shyly together,
are still,
Like dancers who wait
in a pause of the music, for music
The exquisite silence
to fill...
This is the thought
of the first, and this of the second,
And this the grave
thought of the third:
“Linger we thus for a
moment, palely expectant,
And silence wiíl end,
and the Bird
“Sing the pure
phrase, sweet phrase, clear phrase in the twilight
To fill the blue bell
of the world;
And we, who on music
so leaflike have drifted together,
Leaflike apart shall
be whirled
“Into what but the
beauty of silence, silence forever?...”
...This is the shape
of the tree,
And the flower and
the leaf, and the three pale beautiful pilgrims:
This is what you are
to me.
(Konstantin Razumov: pintor russo)
Retrato de Moça
Esta é a forma da
folha, esta outra a da flor
E este é o tronco sem
cor, o tronco da árvore
Que observa os seus
ramos num lago de águas imóveis
Numa terra que nós
nunca veremos.
O tordo está em silêncio,
o orvalho cai suavemente,
Mal se ouve um som na
noite...
E os três belos
peregrinos que juntos se aproximam
Tocam levemente com
os pés a poeira do chão.
Com os pés que agitam
a poeira como só asas o fariam,
Timidamente eles se
aproximam, estão tranquilos
Como dançarinos que
esperam numa pausa de música
Que a música preencha
o silêncio perfeito...
Este é o pensamento
do primeiro, este outro o do segundo
E este ainda o grave
pensamento do terceiro:
“Demoremo-nos assim
por um momento, palidamente expectantes
E o silêncio
terminará, e o pássaro
“Há de cantar a pura
frase, a doce frase, a frase clara no crepúsculo
Para encher o sino
azul do mundo;
E nós, que sobre a
música derivamos juntos, como folhas,
Como folhas,
seguiremos, num vórtice, apartados
“Para onde mais senão
a beleza do silêncio, silêncio para sempre?...”
...Esta é a forma da
árvore,
E a flor e a folha e
os três belos e pálidos peregrinos:
− Eis o que és para
mim.
Referência:
AIKEN, Conrad. Portrait of a girl / Retrato
de moça. Tradução de Joaquim Cardoso. In: MARQUES, Oswaldino (Organização e
Prólogo). O livro de ouro da poesia dos Estados Unidos: coletânea dos
poemas norte-americanos. Edição bilíngue. Rio de Janeiro, RJ: Ediouro &
Tecnoprint, 1987. Em inglês: p. 168; em português: p. 169. (Coleção
‘Universidade de Bolso’)
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