Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sexta-feira, 13 de novembro de 2020

Conrad Aiken - Retrato de Moça

Aiken, à moda dos simbolistas franceses, translada vida a sonho neste quadro de beleza, vestígios e trilhas, com imagens oblíquas e associações livres: pode-se sentir a harmonia musical a fluir dos versos do poema, ainda que bastante sutilmente, quando o tordo, rompendo o silêncio, vier a trinar o seu canto melodioso, ou de outro modo, a bela moça enunciar a pura, doce e clara frase sob o crepúsculo, “para encher o sino azul do mundo”.

Os três belos peregrinos surgem como se fossem manifestações alegóricas da criação, do destino e da finitude. E não estamos precisamente no esplendor do dia, senão sob as luzes do arrebol: seria esse o momento em que a beleza da jovem começaria a declinar – árvore, flor e folha a empalidecer aos olhos do ente lírico, refletidas num lago de “águas imóveis”, numa terra a que jamais se terá acesso?!

J.A.R. – H.C.
 

Conrad Aiken
(1889-1973)
 

Portrait of a Girl

This is the shape of the leaf, and this of the flower,
And this the pale bole of the tree
Which watches its bough in a pool of unwavering water
In a land we never shall see.

The thrush on the bough is silent, the dew falis softly,
In the evening is hardly a sound...
And the three beautiful pilgrims who come here together
Touch lightly the dust of the ground.

Touch it with feet that trouble the dust but as wings do,
Come shyly together, are still,
Like dancers who wait in a pause of the music, for music
The exquisite silence to fill...

This is the thought of the first, and this of the second,
And this the grave thought of the third:
“Linger we thus for a moment, palely expectant,
And silence wiíl end, and the Bird

“Sing the pure phrase, sweet phrase, clear phrase in the twilight
To fill the blue bell of the world;
And we, who on music so leaflike have drifted together,
Leaflike apart shall be whirled

“Into what but the beauty of silence, silence forever?...”
...This is the shape of the tree,
And the flower and the leaf, and the three pale beautiful pilgrims:
This is what you are to me.

 

A bolsa
(Konstantin Razumov: pintor russo)
 

Retrato de Moça

Esta é a forma da folha, esta outra a da flor
E este é o tronco sem cor, o tronco da árvore
Que observa os seus ramos num lago de águas imóveis
Numa terra que nós nunca veremos.

O tordo está em silêncio, o orvalho cai suavemente,
Mal se ouve um som na noite...
E os três belos peregrinos que juntos se aproximam
Tocam levemente com os pés a poeira do chão.

Com os pés que agitam a poeira como só asas o fariam,
Timidamente eles se aproximam, estão tranquilos
Como dançarinos que esperam numa pausa de música
Que a música preencha o silêncio perfeito...

Este é o pensamento do primeiro, este outro o do segundo
E este ainda o grave pensamento do terceiro:
“Demoremo-nos assim por um momento, palidamente expectantes
E o silêncio terminará, e o pássaro

“Há de cantar a pura frase, a doce frase, a frase clara no crepúsculo
Para encher o sino azul do mundo;
E nós, que sobre a música derivamos juntos, como folhas,
Como folhas, seguiremos, num vórtice, apartados

“Para onde mais senão a beleza do silêncio, silêncio para sempre?...”
...Esta é a forma da árvore,
E a flor e a folha e os três belos e pálidos peregrinos:
− Eis o que és para mim.

Referência:

AIKEN, Conrad. Portrait of a girl / Retrato de moça. Tradução de Joaquim Cardoso. In: MARQUES, Oswaldino (Organização e Prólogo).
O livro de ouro da poesia dos Estados Unidos: coletânea dos poemas norte-americanos. Edição bilíngue. Rio de Janeiro, RJ: Ediouro & Tecnoprint, 1987. Em inglês: p. 168; em português: p. 169. (Coleção ‘Universidade de Bolso’)

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