Para a poetisa, genitora do também
poeta Anderson Braga Horta (n. 1934), tempo de poesia é toda a vida para quem
nasce poeta – imutável, “embora inútil” −, a contrastar, portanto, com o da
natureza dual de tudo quanto existe no universo, ao sabor de cada momento, segundo
o Qoheleth − para quem há um tempo para todo o propósito debaixo do céu (Ec:3,1).
As expressões negativas, presentes em determinados estágios da existência,
são exatamente as ações não praticados pela voz lírica, nominalmente, aquelas
voltadas a “matar e destruir e atirar pedras, tempos para odiar e fazer guerra”,
isto em razão de, pelo que se deduz de seus versos, consagrar-se com desvelo em
fazer da vida comunhão.
J.A.R. – H.C.
Tempo de Poesia
Título do livro de
poesia de Edison Moreira
Motivo: Eclesiastes,
3
“Há um tempo para tudo e cada coisa
tem, debaixo do céu,
o seu momento.”
Nasci em tempo de
poesia. A morte
espero que também
seja em seu tempo.
Há tempos que não
tive e não terei:
matar e destruir e
atirar pedras,
tempos para odiar e
fazer guerra.
Procuro, quando
encontro as coisas más,
curar, edificar,
juntar as pedras,
fazer do ódio, amor;
da guerra, a paz.
O que plantei (e
apenas plantei flores)
não arranquei. Talvez
o vento arranque.
Mas serão, outra vez,
suas sementes
outras plantas iguais
com novas flores
iguais, em qualquer
ponto sobre a terra.
Outros tempos
marcados de contrastes
(chorar e rir; gemer,
dançar; o abraço
e o afastar-se de
abraçar; a busca
e a perda) são os
trâmites da vida
por onde passas e por
onde eu passo.
Tempos para guardar e
atirar fora
outros têm, não eu, que
apenas tenho
a partilha do pão de
cada dia.
De rasgar e coser
tenho os dois tempos
num só − cíclico e
prático sistema:
rerrasgar, recoser o
mesmo pano...
Em calar e falar: o
tempo, e o tema
que a ninguém cause
espanto ou cause dano.
Tempos de se esperar
ou de escolher
são esses, de
vivência interrompida.
Só seu tempo
imutável, sob o céu,
tem quem nasce poeta.
Embora inútil,
tempo de poesia é
toda a vida.
(9.6.1964)
Referência:
HORTA, Maria Braga. Tempo de poesia.
In: __________. Caminho de estrelas: poesia reunida. São Paulo, SP:
Massao Ohno Editor, 1996. p. 124-125.
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