Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sábado, 21 de novembro de 2020

Maria Braga Horta - Tempo de Poesia

Para a poetisa, genitora do também poeta Anderson Braga Horta (n. 1934), tempo de poesia é toda a vida para quem nasce poeta – imutável, “embora inútil” −, a contrastar, portanto, com o da natureza dual de tudo quanto existe no universo, ao sabor de cada momento, segundo o Qoheleth − para quem há um tempo para todo o propósito debaixo do céu (Ec:3,1).

As expressões negativas, presentes em determinados estágios da existência, são exatamente as ações não praticados pela voz lírica, nominalmente, aquelas voltadas a “matar e destruir e atirar pedras, tempos para odiar e fazer guerra”, isto em razão de, pelo que se deduz de seus versos, consagrar-se com desvelo em fazer da vida comunhão.

J.A.R. – H.C.

 

Maria Braga Horta
(1913-1980)
 

Tempo de Poesia 

Título do livro de poesia de Edison Moreira
Motivo: Eclesiastes, 3

“Há um tempo para tudo e cada coisa
tem, debaixo do céu, o seu momento.”

Nasci em tempo de poesia. A morte
espero que também seja em seu tempo.

Há tempos que não tive e não terei:
matar e destruir e atirar pedras,
tempos para odiar e fazer guerra.

Procuro, quando encontro as coisas más,
curar, edificar, juntar as pedras,
fazer do ódio, amor; da guerra, a paz.

O que plantei (e apenas plantei flores)
não arranquei. Talvez o vento arranque.
Mas serão, outra vez, suas sementes
outras plantas iguais com novas flores
iguais, em qualquer ponto sobre a terra.

Outros tempos marcados de contrastes
(chorar e rir; gemer, dançar; o abraço
e o afastar-se de abraçar; a busca
e a perda) são os trâmites da vida
por onde passas e por onde eu passo.

Tempos para guardar e atirar fora
outros têm, não eu, que apenas tenho
a partilha do pão de cada dia.

De rasgar e coser tenho os dois tempos
num só − cíclico e prático sistema:
rerrasgar, recoser o mesmo pano...

Em calar e falar: o tempo, e o tema
que a ninguém cause espanto ou cause dano.

Tempos de se esperar ou de escolher
são esses, de vivência interrompida.

Só seu tempo imutável, sob o céu,
tem quem nasce poeta. Embora inútil,
tempo de poesia é toda a vida.

(9.6.1964)
 

Era uma vez...
(Susana GaPri: artista espanhola)

Referência:

HORTA, Maria Braga. Tempo de poesia. In: __________.
Caminho de estrelas: poesia reunida. São Paulo, SP: Massao Ohno Editor, 1996. p. 124-125.

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