Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

terça-feira, 24 de novembro de 2020

Fernando Py - Ulisses

Como um Ulisses a empreender demoradas jornadas, para vivenciar novas ideias ou gestos sobre “as águas febris de um mar sem nome”, longe, por conseguinte, daquilo que se lhe apresentam como raízes, o poeta sempre regressa à casa de onde partira, onde, seguramente, encontra os mananciais que o fazem se sentir ele mesmo.

Trata-se, de fato, de um mote para tornar vivo o pensamento, postando-se de ambos os lados que conformam uma autêntica “viagem”, assim como se estivesse experimentando semelhantes juízos aos que Fernando Brant e Milton Nascimento assentam em “Encontros e Despedidas” (1985): “Coisa que gosto é poder partir / sem ter planos / melhor ainda é poder voltar / quando quero”, ou ainda, “São só dois lados / da mesma viagem / o trem que chega / é o mesmo trem da partida”. Do contrário, estáticos e mortos estarão o discernimento e a compreensão do mundo.

J.A.R. – H.C.
.


Fernando Py
(1935-2020)
 

Ulisses

 

Estou sempre voltando para casa.

Cada ideia vivida cada gesto

é uma viagem que faço de regresso.

 

Dentro de mim há distâncias suficientes

para ausências enormes, nos caminhos

que percorro sem me sentir eu mesmo.

 

Retorno agora, ontem, aqui, assim,

de modo singular, desprevenido.

 

A tal ponto me ausento regressando

que sou como um Ulisses navegando

pelas águas febris de um mar sem nome.

 

Talvez um dia eu volte para sempre

e as distâncias talvez desapareçam.

Então meu pensamento estará morto.

 


As sereias e Ulisses
(William Etty: artista inglês)

 

Referência:

PY, Fernando. Ulisses. In: AYALA, Walmir (Seleção e Apresentação). A novíssima poesia brasileira. V. II. Rio de Janeiro, GB: Cadernos Brasileiros, 1965. p. 48.

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