Como um Ulisses a empreender demoradas
jornadas, para vivenciar novas ideias ou gestos sobre “as águas febris de um
mar sem nome”, longe, por conseguinte, daquilo que se lhe apresentam como raízes,
o poeta sempre regressa à casa de onde partira, onde, seguramente, encontra os
mananciais que o fazem se sentir ele mesmo.
Trata-se, de fato, de um mote para
tornar vivo o pensamento, postando-se de ambos os lados que conformam uma autêntica
“viagem”, assim como se estivesse experimentando semelhantes juízos aos que Fernando
Brant e Milton Nascimento assentam em “Encontros e Despedidas”
(1985): “Coisa que gosto é poder partir / sem ter planos / melhor ainda é poder
voltar / quando quero”, ou ainda, “São só dois lados / da mesma viagem / o trem
que chega / é o mesmo trem da partida”. Do contrário, estáticos e mortos estarão
o discernimento e a compreensão do mundo.
J.A.R. – H.C..
Ulisses
Estou sempre voltando para casa.
Cada ideia vivida cada gesto
é uma viagem que faço de regresso.
Dentro de mim há distâncias suficientes
para ausências enormes, nos caminhos
que percorro sem me sentir eu mesmo.
Retorno agora, ontem, aqui, assim,
de modo singular, desprevenido.
A tal ponto me ausento regressando
que sou como um Ulisses navegando
pelas águas febris de um mar sem nome.
Talvez um dia eu volte para sempre
e as distâncias talvez desapareçam.
Então meu pensamento estará morto.
Referência:
PY,
Fernando. Ulisses. In: AYALA, Walmir (Seleção e Apresentação). A novíssima
poesia brasileira. V. II. Rio de Janeiro, GB: Cadernos Brasileiros, 1965.
p. 48.
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