Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

quarta-feira, 4 de novembro de 2020

Wallace Stevens - Desilusão das dez horas

O viver desencantado com a vida pode fazer com que percamos o poder de ver as coisas coloridas, evidenciando um trânsito pelos dias vazio de sentido, sem imaginação para vislumbrar algo que outorgue propósito à existência: Wallace desperta-nos a atenção para o fato de que, ao marinheiro velho, farto do matiz monotônico das águas do mar, somente alguns tragos seriam capazes de fazê-lo voltar a ver o dia em cores rubras, levando-o a perseguir “tigres” – uma aventura e tanto!

Embora o poeta não o explicite, certamente que as 10h do título se refiram às 22h (p.m., portanto), momento em que nos deitamos para dormir, em meio a lençóis e camisolas quase que, invariavelmente, brancos, depois de, enfadonhamente, assistirmos à televisão: falta-nos o poder da poesia para dar impulso à criatividade, para aguçar-nos a sensibilidade, para prover-nos da cor dos sonhos a suscitar alternativas nuançadas aos fatos do mundo.

J.A.R. – H.C.

Wallace Stevens
(1879-1955)

Disillusionment of ten o’clock

The houses are haunted
By white night-gowns.
None are green,
Or purple with green rings,
Or green with yellow rings,
Or yellow with blue rings.
None of them are strange,
With socks of lace
And beaded ceintures.
People are not going
To dream of baboons and periwinkles.
Only, here and there, an old sailor,
Drunk and asleep in his boots,
Catches tigers
In red weather.

In: “Harmonium” (1923-1931)

A nona onda
(Ivan Aivazovsky: pintor russo)

Desilusão das dez horas

As casas são assombradas
Por camisolas brancas.
Nenhuma é verde,
Nem roxa com bainha verde,
Nem verde com bainha amarela,
Nem amarela com bainha azul.
Nenhuma delas é estranha,
Com meias de renda
E faixas de contas.
Ninguém vai sonhar
Com caramujos e orangotangos.
Só um ou outro marinheiro velho
Bêbado dorme de botas
E pega tigres
Em dia vermelho.

Em: “Harmônio” (1923-1931)

Referência:

STEVENS, Wallace. Disillusionment of ten o’clock / Desilusão das dez horas. Tradução de Paulo Henriques Britto. In: __________. Poemas. Organização, introdução e tradução de Paulo Henriques Britto. São Paulo, SP: Companhia das Letras, 1987. Em inglês: p. 24; em português: p. 25.

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