O viver desencantado com a vida pode
fazer com que percamos o poder de ver as coisas coloridas, evidenciando um trânsito
pelos dias vazio de sentido, sem imaginação para vislumbrar algo que outorgue
propósito à existência: Wallace desperta-nos a atenção para o fato de que, ao
marinheiro velho, farto do matiz monotônico das águas do mar, somente alguns
tragos seriam capazes de fazê-lo voltar a ver o dia em cores rubras, levando-o
a perseguir “tigres” – uma aventura e tanto!
Embora o poeta não o explicite, certamente
que as 10h do título se refiram às 22h (p.m., portanto), momento em que nos
deitamos para dormir, em meio a lençóis e camisolas quase que, invariavelmente,
brancos, depois de, enfadonhamente, assistirmos à televisão: falta-nos o poder
da poesia para dar impulso à criatividade, para aguçar-nos a sensibilidade, para
prover-nos da cor dos sonhos a suscitar alternativas nuançadas aos fatos do
mundo.
J.A.R. – H.C.
Wallace Stevens
(1879-1955)
Disillusionment of
ten o’clock
The houses are
haunted
By white night-gowns.
None are green,
Or purple with green
rings,
Or green with yellow
rings,
Or yellow with blue
rings.
None of them are strange,
With socks of lace
And beaded ceintures.
People are not going
To dream of baboons
and periwinkles.
Only, here and there,
an old sailor,
Drunk and asleep in
his boots,
Catches tigers
In red weather.
In: “Harmonium”
(1923-1931)
A nona onda
(Ivan Aivazovsky:
pintor russo)
Desilusão das dez
horas
As casas são
assombradas
Por camisolas
brancas.
Nenhuma é verde,
Nem roxa com bainha
verde,
Nem verde com bainha
amarela,
Nem amarela com
bainha azul.
Nenhuma delas é
estranha,
Com meias de renda
E faixas de contas.
Ninguém vai sonhar
Com caramujos e
orangotangos.
Só um ou outro
marinheiro velho
Bêbado dorme de botas
E pega tigres
Em dia vermelho.
Em: “Harmônio”
(1923-1931)
Referência:
STEVENS, Wallace. Disillusionment of
ten o’clock / Desilusão das dez horas. Tradução de Paulo Henriques Britto. In:
__________. Poemas. Organização, introdução e tradução de Paulo
Henriques Britto. São Paulo, SP: Companhia das Letras, 1987. Em inglês: p. 24;
em português: p. 25.
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