A este poema do poeta catarinense inicio
meu rápido comento pelo fim: afirma ele que a poesia está bem mais em quem lê
os versos do que em quem os redige. Pois bem: ao exprimir em palavras a
percepção policromática incitada pela poesia, o intérprete acaba por apossar-se
do poema (“posse”, não “propriedade” – até em razão das prescrições do Direito
Autoral!), tornando-o algo a revelar coerência ou nexo às suas próprias idiossincrasias.
Pareceu-me que os contornos que Allievi
empreende aos seus versos procuram enfatizar a importância que o autor confere
aos seus próprios sentimentos para poder usufruir a poesia de que as linhas se adornam
− digamos assim. Mas, a um terceiro que recite o mesmo poema, associam-se
outros sentimentos e quiçá, por razões diversas – como déficit de imaginação, comedimento
na decodificação do sentido das palavras ou ainda o perfilhamento de um corte hermenêutico
mais rígido −, não logre usufruir semelhante “néctar poético”. Daí porque
poderá concluir não haver poesia nos mesmos versos em que outros seriam capazes
de muito bem apreendê-la.
Fazer o quê? Filigranas da intepretação:
um poema − e a poesia que dele dimana − é uma “obra aberta”, como diria o escritor,
crítico da cultura, semiólogo e pensador Umberto Eco.
J.A.R. – H.C.
Odalis Jodoé Allievi
(n. 1971)
Quando eu escrever
uma poesia
Não construirei uma
poesia com palavras bonitas.
Pois,
De que adiantam
palavras bonitas se elas não
puderem ser sentidas?
Olharei para dentro
de mim.
Procurarei
sentimentos bonitos.
Pois,
Mais bonitas que
quaisquer palavras é a capacidade
de poder entendê-las.
Não terei cuidado com
rima ou métrica,
Porque os sentimentos
só podem ser medidos por
quem sente.
Não me diga que você
acha não ser poesia o que
escrevo.
Pois,
Ela é.
E está muito mais em
quem lê do que em quem
escreve.
Retrato do crítico de
arte
e escritor Raimón
Casellas
(Lluis Graner: pintor
catalão)
Referência:
ALLIEVI, Odalis Jodoé. Quando eu
escrever uma poesia. In: __________. Ajuntamentos de pequenos delírios. Brasília,
DF: www.odalis.com.br, mar.2005. p. 118.
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