Com um explícito matiz expressionista,
o poeta mostra o seu desagrado com o fenômeno das grandes cidades, ali onde a
“civilização” esmagou quaisquer pretensões de autoafirmação individual, impondo
às massas o poder das tecnologias, forçando-as a uma rotina implacável, na qual não
há espaço para a demonstração de afeições mais profundas.
As cenas visionárias do poeta arregimentam
os mais distintos efeitos – dos campanários e seus sinos a morcegos – tudo para
suscitar no leitor a mesma angústia que lhe vai no mortificado espírito, talvez
invadido pelo sentimento de incerteza e isolamento perante a vida, longe,
portanto, de quaisquer vislumbres de felicidade.
J.A.R. – H.C.
Verfluchung der
Städte (*)
Ihr seid verflucht.
Doch eure Süße blüht
Wie eines herben
Kusses dunkle Frucht,
Wenn Abend warm um
eure Türme sprüht,
Und weit hinab der langen
Gassen Flucht.
Dann zittern alle
Glocken allzumal
In ihrem Dach, wie
Sonnenblumen welk.
Und weit wie Kreuze
wächst in goldner Qual
Der hohen Galgen
düsteres Gebälk.
Und wie ein Meer von
Flammen ragt die Stadt
Wo noch der West wie
rotes Eisen glänzt,
In den die Sonne, wie
ein Stierhaupt glatt,
Die Hörner streckt, (die
dunkles) Blut bekränzt.
(Zdzisław Beksiński: artista polonês)
Maldição das Cidades
Vós sois malditas. Não
obstante, vossa ternura floresce
como o fruto escuro
de um beijo amargo,
quando a tarde quente
chameja sobre vossas torres,
abarcando compridos e
sinuosos becos.
Quais girassóis
murchos vibram, então, uníssonos
todos os sinos no
campanário. E longe,
numa visão de cruzes,
crescem em tormentos de ouro
as vigas sinistras de
altas forcas.
E como um mar de
chamas, ergue-se a cidade,
sobre a qual ainda
brilha o ocaso como ferro em brasa,
sobre a qual, liso
como a cabeça de um boi,
o sol distende os
chifres coroados de sangue negro.
Nota:
(*) O poema – a
rigor, a seção V de uma composição mais alongada −, ao que parece, contava, de
início, com três estrofes, assim como as traduziu o autor brasileiro; contudo,
observa-se nas publicações recentes da obra de Georg Heym – a exemplo da
divulgada neste endereço – a presença de uma
quarta estrofe, interposta entre as segunda e terceira quadras supratranscritas,
com o seguinte teor:
Die Toten schaukeln
zu den Glockenklängen
Im Wind, der ihre
schwarzen Leichen schwenkt,
Wie Fledermäuse, die
im Baume hängen,
Die Toten, die der
Abend übersengt.
(Os mortos oscilam ao
tanger dos sinos
No vento que agita os
seus negros despojos,
Como morcegos
pendentes numa árvore,
Os mortos, abrasados
pela luz do ocaso.)
Referência:
HEYM,
Georg. Verfluchung der Städte / Maldição das cidades. Tradução de João Accioli.
In: ACCIOLI, João (Seleção e Tradução). Poemas alemães. São Paulo, SP:
Livraria Martins Editora, jul. 1954. Em alemão: p. 34; em português: p. 35.
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