Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sábado, 1 de agosto de 2020

Rumi - Uma pomba nos beirais

Eis aqui mais um dos belos poemas místicos do mentor sufi, em tradução da tradução de Coleman Barks, do persa ao inglês, como se pode verificar no campo de referências mais abaixo: esclareço que nos pontos em que o texto de Barks se mostra relativamente elusivo, dei contornos ao contratempo empregando outra tradução ao inglês do mesmo poema, de A. J. Arberry, em “Mystical Poems of Rumi”, editado por Ehsan Yarshater (Chicago & London: The University of Chicago Press, 2009. p. 95).

O falante se entrega à unidade com o Divino, disposto a evoluir em sua inteligência ou sapiência, deixando-se perder nesse mar perolado, onde outros tantos já se tornaram indistintos do próprio Eterno: temos esta vida – em que cada qual é um mistério à parte, indecifrável pelos demais –, como também outra, em que imolada a primeira, se entra na mais lídima forma de amor.

J.A.R. – H.C.

Jalal ud-Din Rumi
(1207-1273)

A dove in the eaves

When I press my hand to my chest,
it is your chest.
And now you’re scratching my head!

Sometimes you put me in the herd
with your other camels.
Sometimes you place me at the front of the troops
as the commander. Sometimes you wet me
with your mouth like you do your seal-ring
just before you plant your power.

Sometimes you round me
into a simple door knocker.

You take blood and make sperm.
You take sperm and create an animal.
You use the animal to evolve intelligence.
Life keeps leading to more life.

You drive me away gently
as a flute song does a dove
from the eaves.

With the same song
you call me back.

You push me out on many journeys;
then you anchor me with no motion at all.

I am water. I am the thorn
that catches someone’s clothing.

I don’t care about marvelous sights!

I only want to be in your presence.

There’s nothing to believe.
Only when I quit believing in myself
did I come into this beauty.

I saw your blade and bumed my shield!
I flew on six hundred pairs of wings like Gabriel.
But now that I’m here, what do I need wings for?

Day and night I guarded the pearl of my soul.
Now in this ocean of pearling currents,
I’ve lost track of which was mine.

There is no way to describe you.
Say the end of this so strongly
that I will ride up over
my own commotion.


We have this way of talking, and we have another.
Apart from what we wish and what we fear may happen,

we are alive with other life, as clear stones
take form in the mountain.


This piece of food cannot be eaten,
nor this bit of wisdom found by looking.
There is a secret core in everyone not
even Gabriel can know by trying to know.


In the slaughterhouse of love, they kill
only the best, none of the weak or deformed.
Don’t run away from this dying.
Whoever’s not killed for love is dead meat.

Sob os beirais
(Allison Fagan: pintora canadense)

Uma pomba nos beirais

Quando aperto a mão contra o meu peito,
é o teu peito.
E agora estás roçando minha cabeça!

Às vezes me colocas no rebanho
junto aos teus outros camelos.
Outras vezes me antepões às tropas
como comandante. Outras tantas me unges
com tua boca, como fazes com teu anel de sinete
pouco antes de estampar teu poder.

Às vezes me convertes numa aldrava
redonda e me prendes à tua porta.

Tomas sangue e produzes esperma.
Tomas esperma e crias um animal.
Usas o animal para desenvolver inteligência.
A vida segue levando a mais vida.

Transportas-me, suavemente,
como uma pomba dos beirais
arrebatada pela melodia de uma flauta.

Com a mesma melodia
me chamas para que regresse.

Forças-me a realizar muitas viagens,
e depois me ancoras sem movimento algum.

Sou água. Sou o espinho
que se engancha às vestes de alguém.

São-me indiferentes as visões maravilhosas!

Somente quero estar em tua presença.

Não há nada em que crer.
Somente quando deixei de crer em mim mesmo,
tornei-me capaz de confiar nessa beleza.

Ao ver a espada em tua mão, queimei meu escudo!
Voei com seiscentos pares de asas como Gabriel.
Mas agora que estou aqui, de que me servem as asas?

Dia e noite fui guardião da pérola de minha alma.
Agora, neste oceano de correntes peroladas,
Perdi os rastros de qual era a minha.

Não há forma de te descrever.
Esclarece-me o fim de tudo isto tão fortemente,
para que eu possa cavalgar
sobre minha própria comoção.


Temos esta forma de falar e temos outra.
Além do que desejamos e do que tememos que suceda,

estamos vivos com outra vida, como pedras claras
a ganhar forma nas montanhas.


Esta porção de comida não se pode comer.
Nem este pouco de sabedoria capturado ao olhar.
Há uma essência secreta em cada um, que nem
Gabriel poderá conhecê-la, ainda que a tanto se disponha.


Na ceifa do amor, apenas se matam
os melhores, nenhum dos fracos ou disformes.
Não fujas a essa forma de morrer.
Morta é a carne daquele não supliciado por amor.

Referência:

RUMI, Jalal ud-Din. A dove in the eaves. In: __________. The essential Rumi: rough metaphors – more teaching stories. Translations by Coleman Barks with John Moyne, A. J. Arberry and Reynold Nicholson. Edison, NJ: Castle Books, 1997. p. 268-270.

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