Eis aqui mais um dos belos poemas místicos do mentor sufi, em tradução
da tradução de Coleman Barks, do persa ao inglês, como se pode verificar no
campo de referências mais abaixo: esclareço que nos pontos em que o texto de
Barks se mostra relativamente elusivo, dei contornos ao contratempo empregando
outra tradução ao inglês do mesmo poema, de A. J. Arberry, em “Mystical Poems of Rumi”, editado
por Ehsan Yarshater (Chicago & London: The University of Chicago Press, 2009.
p. 95).
O falante se entrega à unidade com o Divino, disposto a evoluir em sua
inteligência ou sapiência, deixando-se perder nesse mar perolado, onde outros
tantos já se tornaram indistintos do próprio Eterno: temos esta vida – em que
cada qual é um mistério à parte, indecifrável pelos demais –, como também
outra, em que imolada a primeira, se entra na mais lídima forma de amor.
J.A.R. – H.C.
Jalal ud-Din Rumi
(1207-1273)
A dove in the eaves
When I press my hand
to my chest,
it is your chest.
And now you’re
scratching my head!
Sometimes you put me
in the herd
with your other
camels.
Sometimes you place
me at the front of the troops
as the commander.
Sometimes you wet me
with your mouth like
you do your seal-ring
just before you plant
your power.
Sometimes you round
me
into a simple door
knocker.
You take blood and
make sperm.
You take sperm and
create an animal.
You use the animal to
evolve intelligence.
Life keeps leading to
more life.
You drive me away
gently
as a flute song does
a dove
from the eaves.
With the same song
you call me back.
You push me out on
many journeys;
then you anchor me
with no motion at all.
I am water. I am the
thorn
that catches
someone’s clothing.
I don’t care about
marvelous sights!
I only want to be in
your presence.
There’s nothing to believe.
Only when I quit
believing in myself
did I come into this
beauty.
I saw your blade and
bumed my shield!
I flew on six hundred
pairs of wings like Gabriel.
But now that I’m
here, what do I need wings for?
Day and night I
guarded the pearl of my soul.
Now in this ocean of
pearling currents,
I’ve lost track of
which was mine.
There is no way to
describe you.
Say the end of this
so strongly
that I will ride up
over
my own commotion.
Ω
We have this way of
talking, and we have another.
Apart from what we
wish and what we fear may happen,
we are alive with
other life, as clear stones
take form in the
mountain.
Ω
This piece of food
cannot be eaten,
nor this bit of
wisdom found by looking.
There is a secret
core in everyone not
even Gabriel can know
by trying to know.
Ω
In the slaughterhouse
of love, they kill
only the best, none
of the weak or deformed.
Don’t run away from
this dying.
Whoever’s not killed
for love is dead meat.
Sob os beirais
(Allison Fagan:
pintora canadense)
Uma pomba nos beirais
Quando aperto a mão contra o meu peito,
é o teu peito.
E agora estás roçando minha cabeça!
Às vezes me colocas no rebanho
junto aos teus outros camelos.
Outras vezes me antepões às tropas
como comandante. Outras tantas me unges
com tua boca, como fazes com teu anel
de sinete
pouco antes de estampar teu poder.
Às vezes me convertes numa aldrava
redonda e me prendes à tua porta.
Tomas sangue e produzes esperma.
Tomas esperma e crias um animal.
Usas o animal para desenvolver
inteligência.
A vida segue levando a mais vida.
Transportas-me, suavemente,
como uma pomba dos beirais
arrebatada pela melodia de uma flauta.
Com a mesma melodia
me chamas para que regresse.
Forças-me a realizar muitas viagens,
e depois me ancoras sem movimento
algum.
Sou água. Sou o espinho
que se engancha às vestes de alguém.
São-me indiferentes as visões
maravilhosas!
Somente quero estar em tua presença.
Não há nada em que crer.
Somente quando deixei de crer em mim
mesmo,
tornei-me capaz de confiar nessa
beleza.
Ao ver a espada em tua mão, queimei meu
escudo!
Voei com seiscentos pares de asas como
Gabriel.
Mas agora que estou aqui, de que me
servem as asas?
Dia e noite fui guardião da pérola de
minha alma.
Agora, neste oceano de correntes
peroladas,
Perdi os rastros de qual era a minha.
Não há forma de te descrever.
Esclarece-me o fim de tudo isto tão
fortemente,
para que eu possa cavalgar
sobre minha própria comoção.
Ω
Temos esta forma de falar e temos
outra.
Além do que desejamos e do que tememos
que suceda,
estamos vivos com outra vida, como
pedras claras
a ganhar forma nas montanhas.
Ω
Esta porção de comida não se pode
comer.
Nem este pouco de sabedoria capturado ao
olhar.
Há uma essência secreta em cada um, que
nem
Gabriel poderá conhecê-la, ainda que a
tanto se disponha.
Ω
Na ceifa do amor, apenas se matam
os melhores, nenhum dos fracos ou
disformes.
Não fujas a essa forma de morrer.
Morta é a carne daquele não supliciado
por amor.
Referência:
RUMI, Jalal ud-Din. A dove in the eaves.
In: __________. The essential Rumi:
rough metaphors – more teaching stories. Translations by Coleman Barks with
John Moyne, A. J. Arberry and Reynold Nicholson. Edison, NJ: Castle Books,
1997. p. 268-270.
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