A memória é capaz de nos levar a momentos idos e vividos, com a mesma
nitidez de um ensejo presente, fazendo-nos reagir emocionalmente como se
estivéssemos vivenciando os fatos da vida aqui e agora – formaturas,
casamentos, nascimentos, oportunidades de emprego –, ainda que muitas vezes ela
nos traia, interpolando circunstâncias ou episódios que, originalmente, não revelavam
conexões.
Óbvio está que, com o avançar da idade, as imagens que nos remanescem
vão se tornando cada vez menos nítidas, desgastadas, descoloridas,
porque ninguém está preservado à ação do tempo. E é aí que entra o inesperado
contributo da imaginação, uma espécie de efeito compensador, necessário para
que possamos manter a integridade psíquica. Autoengano? Que seja, contanto que
permita perdurar um estado de felicidade! (rs)
J.A.R. – H.C.
Patricia Hampl
(n. 1946)
This Is How Memory Works
You are stepping off
a train.
A wet blank night,
the smell of cinders.
A gust of steam from
the engine swirls
around the hem of
your topcoat, around
the hand holding the
brown leather valise,
the hand that, a
moment ago, slicked back
the hair and then put
on the fedora
in front of the
mirror with the beveled
edges in the
cherrywood compartment.
The girl standing on
the platform
in the Forties dress
has curled her hair,
she has
nylon stockings – no,
silk stockings still.
Her shoulders are
touchingly military,
squared by those
shoulder pads
and a sweet faith in
the Allies.
She is waiting for
you.
She can be wearing a
hat, if you like.
You see her first.
That’s part of the
beauty:
you get the pure,
eager face,
the lyrical dress,
the surprise.
You can have the
steam,
the crowded depot,
the camel’s-hair coat,
real leather and
brass clasps on the suitcase;
you can make the
lights glow with
strange significance,
and the black cars
that pass you are
historical yet ordinary.
The girl is yours,
the flowery dress,
the walk
to the streetcar, a
fried egg sandwich
and a joke about
Mussolini.
You can have it all:
you’re in that world,
the only way
you’ll ever be there
now, hired
for your silent
hammer, to nail pictures
to the walls of this
mansion
made of thinnest air.
Plataforma Gandhi sob chuva
(Bijay Biswal:
artista indiano)
Assim É Como Funciona a Memória
Estás desembarcando
de um trem.
Uma noite chuvosa e
vazia, o cheiro de cinzas.
Uma lufada de vapor
do motor gira
à volta da bainha do
teu sobretudo, em torno
da mão que segura a valise de couro marrom,
a mão que, há
instantes, alinhou o cabelo
para trás e então colocou o chapéu de feltro
diante do espelho com
as bordas biseladas
no compartimento de
madeira de cerejeira.
A moça parada na
plataforma
com um vestido dos
anos quarenta
tem o cabelo enrolado
e usa
meias de náilon – não,
meias de seda ainda.
Seus ombros são
comovedoramente militares,
aprumados por aquelas
ombreiras
e uma doce fé nos
Aliados.
Ela está à tua espera.
Pode estar usando um
chapéu, se quiseres.
Tu a avistas
primeiro.
Isso é parte da
beleza:
deparas com o rosto
puro e ansioso,
o lírico vestido, a
surpresa.
És capaz de notar o
vapor,
a estação apinhada, o
casaco de pelo de camelo,
o couro legítimo e os
fechos de latão na mala;
podes incutir brilho
de um estranho significado
às luzes, e fazer com
que os carros pretos a passar
por ti sejam
históricos, ainda que encontradiços.
Tua é a moça,
o vestido florido, a
caminhada
até o bonde, um
sanduíche de ovo frito
e uma piada sobre
Mussolini.
Podes ter isso tudo:
vivenciar aquele
mundo, a única forma mediante
a qual lá estarás
agora, contratado em razão
de teu silencioso
martelo, para fixar imagens
nas paredes dessa
mansão
erigida do ar mais rarefeito.
Referência:
HAMPL, Patricia. This is how memory Works.
In: KEILLOR, Garrison (Selection and Introduction). Good poems for hard times. New York, NY: Penguin Books, 2006. p.
236-237.
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