Alpes Literários

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UM PASSEIO PELOS ALPES LITERÁRIOS

sábado, 29 de agosto de 2020

Menotti del Picchia - Sugestões de um Jardim Público (A Vigília)

A seção “A Vigília”, aqui transcrita, é a terceira e última parte do poema “Sugestões de um Jardim Público”, de Picchia, antecedida, por conseguinte, pelas seções intituladas “Costureirinha” e “O Carrossel”, todas a abordar distintas visões sobre o correr da vida: a perspectiva de um amor pelo qual ansiosamente se espera, os prazeres infantis e a angústia da morte circunvizinha.

Na seção em tela se recordam as passagens bíblicas da Paixão de Cristo, em especial, a noite tormentosa, anterior à sua crucificação, que Ele teria passado em Getsêmani – um horto ou jardim localizado ao sopé do Monte das Oliveiras −, com os seus discípulos (Mateus 26:36): o arrepio de horror impregnado no espaço permite que a noite imensa verta luz pelos poros das estrelas e, numa nuvem à parte, como no Calvário, “sangram as cinco chagas do Cruzeiro”.

J.A.R. – H.C.

Menotti del Picchia
(1892-1988)

Sugestões de um Jardim Público
(A Vigília)

Percorro as alamedas solitárias
como um Poeta antigo...
Um cisne parsifalesco voga na água do lago
que parece o lenço da Verônica
enxugando a face pálida da lua...

Os salgueiros, cheios de lágrimas verdes,
têm a atitude piedosa de José d’Arimateia
quando cobria de bálsamo o corpo do Cordeiro...
O jardim evoca o horto de Getsêmani
onde o Senhor suou sangue...

As árvores dormem, ao luar, como os Discípulos.
O vento viola as rosas
sacrilegamente, e há um ciclo de beijos
como na noite das Angústias Supremas...

Mãos invisíveis de memórias ofertam
aos meus lábios túmidos de mágoa
o cálice do meu Horto...

Todos nós temos a Vigília
nessa insônia ambulante
dos passeios sem rumo em parques solitários.
Um arrepio de horror percorre a noite imensa,
que sua (*) luz pelos poros das estrelas...

No Calvário de uma nuvem
sangram as cinco chagas do Cruzeiro.

Jardim Público em Arles
(Vincent van Gogh: pintor holandês)

Nota:

(*) Apenas uma advertência: “sua” não diz respeito, aqui, ao pronome possessivo, senão à conjugação do verbo “suar”, tendo por sujeito a “noite imensa”: esclareço que a grafia original do poema apresentava a grafia “su’a”, junção de “sua” (do verbo suar) + “a”.

Referência:

PICCHIA, Menotti del. Sugestões de um jardim público (a vigília). In: FIGUEIREDO, José Valle de (Compilador). Antologia da poesia brasileira. Lisboa, PT: Editorial Verbo, s/d [197?]. p. 124.

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